Com 41 anos, o técnico Jair Ventura se divide entre as preocupações durante a pandemia do novo coronavírus. O ex-treinador de Corinthians, Botafogo e Santos cuida da filha de um ano oito meses, Maria Teresa, enquanto observa atentamente os passos do pai, Jairzinho, campeão do mundo com o Brasil em 1970. Aos 75 anos, o Furacão da Copa do México está isolado em um sítio em Miguel Pereira, no Rio de Janeiro, para se prevenir do risco de contágio.
Jair Ventura concedeu entrevista ao Estado por telefone para contar sobre os cuidados com o pai e os planos para a carreira numa temporada interrompida pela doença. O técnico está sem clube desde que deixou o Corinthians em dezembro de 2018 e utilizou o período para desfrutar da paternidade, descansar, estudar e traçar planos para voltar ao futebol ainda em 2020. "Voltarei mais forte e preparado", diz. Veja sua entrevista.
Como está a rotina do seu pai, o Jairzinho, durante essa pandemia?
Eu tenho falado com ele sempre, todos os dias praticamente. Meu pai sente saudade da netinha, a minha filha Maria Teresa. Então a gente faz videoconferência com ele sempre. Ele está em um sítio em Miguel Pereira, no interior do Estado do Rio. O sítio é do marido da minha irmã. Estão lá a minha mãe e o meu sobrinho também. Foi melhor que ele ficasse isolado. Temos nos falado desde então. É melhor para eles, que ficam mais isolados no campo. Minha irmã sai para comprar os alimentos necessários. Eles não saem para rua de jeito nenhum. Na idade dele é muito perigoso. Para mim foi ótimo essa situação. Eles estão tranquilos e têm a minha irmã para dar apoio. Todos nós temos de nos cuidar contra o coronavírus.
O que você fez desde a saída do Corinthians, no fim de 2018?
A grande situação da minha "quarentena" em 2019 foi minha filha. Tirei o ano para ficar mais perto dela. Tive algumas propostas também, até porque quando você sai de um clube como o Corinthians você recebe contatos. Mas nem cheguei a conversar. Queria descansar um pouco e curtir a minha família e, principalmente, estudar. Muitos me perguntavam em 2016, quando assumi o Botafogo, se estava pronto para ser treinador. E eu sempre digo que sou um eterno aprendiz. Tirei esse tempo para praticar meu inglês e meu francês. Me formei na licença mais alta da CBF, li demais para trazer para os meus jogadores treinos dentro do meu estilo de jogo e que possam ser cativantes. Estudei periodização tática, as tendências do mundo. Foi um ano de muito aprendizado.
Voltará ao trabalho neste ano?
Até tive algumas conversas com clubes e não acertei por conta de detalhes. Mas neste ano, se tudo der certo, voltarei muito mais preparado do que em 2016, quando foi efetivado. Tenho a experiência de Santos e Corinthians, com a disputa de duas Libertadores e uma final de Copa do Brasil. Passei muita coisa boa nesse período. Com certeza eu volto muito mais forte e preparado.
Você demonstra tranquilidade ao dizer que voltará. Recebeu propostas?
Eu fico tranquilo porque o meu telefone tocou. Não vou falar os clubes porque não sou de fazer isso. Fico feliz por ter sido lembrado. Algumas oportunidades bateram na trave, principalmente para o exterior. Agora é esperar. Não tenho vaidade e trabalharia na Série B sem problemas. Para mim não seria um passo atrás. A gente tem de analisar as circunstâncias, o momento do time. Você pode pegar um time na Série A que está lutando para não cair e assumir um time na Série B com a chance de fazer um grande trabalho. Tudo depende da proposta.
Ficou frustrado com a saída do Corinthians?
Não. Queria dar continuidade ao trabalho, mas entendi a volta do Carille. Ele era um grande ídolo, vencedor nos últimos tempos no clube. Era difícil a competição. De repente com o título (da Copa do Brasil), poderia acontecer a permanência. Mas não posso reclamar. Tenho de agradecer a oportunidade dada pelo Andrés Sanchez (presidente do Corinthians), que sempre jogou limpo. Não tenho remorso. Fui o treinador mais jovem deste século a trabalhar no clube.
Como analisa o sucesso dos estrangeiros no Brasil?
Jorge Jesus e Jorge Sampaoli fizeram trabalhos excelentes no ano passado. Eu, como jovem, aprendi demais com o trabalho deles. É bom ter outras escolas no Brasil, isso enriquece. Não importa a nacionalidade. Tem de vir os bons profissionais. Quando houve minha efetivação, duvidavam da minha capacidade e dos treinadores jovens. Para exaltar os jovens, não precisa falar mal dos experientes e dizer que estão ultrapassados assim como nem todos os jovens estão prontos. E é a mesma coisa para os treinadores estrangeiros na relação com os brasileiros.
O futebol brasileiro vive de ciclos na sua opinião? Em alguns momentos se pedem os jovens, depois procuram os mais experientes e querem os estrangeiros…
O mercado tem de trazer os melhores, seja de onde for e de qualquer idade. No ano passado a Copa do Brasil foi decidida entre dois treinadores jovens, o Odair Hellmann e o Tiago Nunes. Não é uma regra. Na minha final de Copa do Brasil fui eu, como jovem, e um experiente, o Mano Menezes, pelo Cruzeiro. Assim, não faz sentido ser por isso. O que vale é ser bom profissional, pode ser jovem, experiente, estrangeiro ou ter outras características.