Mais de 200 peças diferentes já foram criadas e apresentadas como base em uma mesma pergunta: "Como foi que seus pais se conheceram?". Sob a direção de Barbara Duvivier, o espetáculo de improviso Portátil começou em 2015 como uma extensão teatral do programa de internet Porta dos Fundos, ganhou vida própria até 2018 e, depois de uma pausa, retomou carreira em 2022.
No palco, Gregório Duvivier e João Vicente de Castro, dois dos criadores do Porta dos Fundos, contracenam, nesta temporada, com os atores convidados Luciana Paes e Rafael Queiroga, além do músico Andrés Giraldo – e o que pode acontecer depois do terceiro sinal, nos 70 minutos seguintes, nem eles mesmos sabem.
Quem viu pode ver de novo, afinal nenhuma sessão é igual à outra, e aqueles que ficaram curiosos ganham oportunidades de descobrir como esse jogo funciona no Teatro Liberdade, até este domingo, 10. Portátil começa com uma entrevista de Gregório Duvivier com a plateia para ouvir relatos sobre a pergunta-chave do espetáculo e, claro, só participa quem quiser.
Ninguém é constrangido a fazer revelações. Enquanto o voluntário narra as experiências vividas pelos pais, os outros atores filtram as informações e esboçam um roteiro. "A ideia é mostrar que a vida de todo mundo rende uma peça", define Barbara. "Às vezes, levamos ao palco uma vivência épica e outras uma bem normal, mas a experiência dos meninos dá conta de qualquer coisa."
Antes de entrar em cena, Duvivier, Castro, Luciana e Queiroga só combinam quem vai representar o pai, a mãe e o protagonista. "Podem também ser dois pais ou duas mães", acrescenta Duvivier. Todos os demais personagens da trama serão desenvolvidos e revezados pelo quarto intérprete. A dramaturgia carrega uma estrutura fixa, iniciada com um sonho do personagem principal, que pode ser desde o desejo de ganhar o Prêmio Nobel até questões simples, como a de se casar e ter filhos. A seguir, vem um longo flashback para mostrar como os pais dele começaram a namorar e, por fim, volta ao presente do protagonista. "É uma viagem que dá conta de uma vida inteira e, dentro dessa escaleta, tudo pode acontecer", avisa Duvivier.
<b>Desafios</b>
Histórias bastante desafiadoras para serem desenvolvidas em um tom cômico já exigiram rapidez de raciocínio e sensibilidade dos improvisadores. Uma senhora, por exemplo, contou que seus pais se encontraram enquanto fugiam da perseguição nazista alemã para o Brasil, enquanto outra mulher revelou que jamais conheceu a mãe, morta em seu parto. Nesta noite, Luciana instigou a espectadora a descrever como ela imaginava a sua mãe e o elenco tirou lágrimas da plateia ao encenar o nascimento da protagonista. Durante a turnê portuguesa, uma pessoa revelou que teve uma infância de privações e sonhava comer bananas – uma fruta que era muito cara e, quando aparecia em casa, servia apenas aos seus pais.
Duvivier sempre prefere as crônicas poéticas e que mexem com a emoção, tanto deles quanto do público. "Embora seja uma comédia, é comum aparecer histórias afetivas e a gente cai em uma espécie de psicodrama, porque volta e meia falamos de pessoas mortas e procuramos carregar de lirismo as situações", diz.
Um detalhe que deixa o quarteto atento é quanto à veracidade dos fatos – quando o espectador injeta muitas gracinhas ou exagera nas piadas, o sinal de alerta pode ser acionado e a narrativa, delicadamente dispensada. "A gente não procura a piada pela piada porque não quer se distanciar da emoção e, nisso, a proposta diverge daquela do Porta dos Fundos", completa.
<b>Surpresas</b>
João Vicente de Castro lembra que uma das histórias mais surpreendentes partiu de uma moça que falou que seu pai foi contratado para assassinar o irmão de sua mãe. "A mulher, então, convenceu o sujeito a não matar o irmão dela e eles acabaram apaixonados e se casaram", conta. Para o ator, o exercício constante do quarteto é jamais esquecer das bases da idealização desse trabalho. "A gente precisa escutar o outro, acreditar e defender a história com carinho e adicionar ideias ao que o colega apresenta ou, simplesmente, deixá-lo seguir com sua proposta", afirma Castro.
Não existem assuntos proibidos, mas alguns costumam ser deixados de lado, caso não sejam essenciais, como futebol, por exemplo. "A gente evita tocar em cordas afetivas e, quando o tema é futebol, não tem jeito, cada espectador vira um garoto de 12 anos", conclui.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>