Cerca de 65% dos municípios brasileiros que têm Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) perderam o prazo e não adequaram as alíquotas de contribuição dos servidores às novas regras da reforma federal, aprovada em novembro de 2019, incluindo 18 capitais. Os entes irregulares ficam impossibilitados, por exemplo, de receber verbas voluntárias da União e empréstimos ligados à administração federal, até que comprovem a majoração das alíquotas.
Ainda que tenham ficado de fora da reforma federal, Estados e municípios foram afetados por alguns trechos da emenda constitucional. No caso da alíquota de contribuição dos servidores, a reforma reforçou que, nos regimes com déficits atuariais, não poderiam ser inferiores ao do funcionalismo federal, que foi alterada para o mínimo de 14% ou para faixas progressivas, de 7,5% a 22%, conforme o salário. Atualmente, de um total de 2.153 Estados e municípios com RPPS, somente 28 não têm déficit atuarial.
O prazo inicial para adequação, segundo portaria de dezembro de 2019, era 31 de julho de 2020, mas foi adiado duas vezes, sendo que 31 de dezembro do ano passado foi a data final. Nos Estados, somente Roraima não fez a adequação.
Dos 2.126 municípios que têm RPPS, 740 comprovaram a mudança nas alíquotas à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e 12 já estavam em conformidade antes da reforma federal, somando cerca de 35% do total. Nas capitais, somente Rio Branco, Maceió, Salvador, Cuiabá, João Pessoa, Natal, Porto Alegre e Florianópolis já têm alíquota de 14% para a contribuição previdenciária dos servidores.
O Estado do Rio Grande do Sul é o que tem maior taxa de adequação, de 62%, e tem o maior número de municípios com RPPS (332). Em Mato Grosso, Rondônia, Santa Catarina e Espírito Santo, a conformidade passa de 50%. Por outro lado, no Norte e Nordeste, a fatia dos que fizeram mudanças é baixa. No Amazonas, menos de 4% dos entes comprovaram a mudança à secretaria, mas o Estado tem apenas 27 municípios com RPPS. No Pará, a taxa de adequação é de 7%, com 30 RPPS. No geral, só 20% dos regimes do Nordeste majoraram as alíquotas.
Antes da pandemia, a expectativa nos bastidores do Ministério da Economia era de que grande parte dos entes fizesse a mudança no primeiro semestre de 2020, já que na segunda metade provavelmente o calendário seria tomado pela eleição municipal. Mas não se contava com a pandemia de covid-19.
O economista André Luiz Marques, coordenador executivo do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, destaca que já era provável resistência às mudanças nas capitais e grandes cidades, uma vez que há um corpo maior e mais organizado do funcionalismo. Mas ele reconhece que a pandemia dificultou ainda mais a discussão de projetos alheios a ela.
"Definitivamente, essa mudança não é a bala de prata que vai resolver as finanças públicas dos municípios, mas é uma das medidas necessárias para caminhar na direção de contas mais ajustadas. Não existe nenhuma outra bala de prata. É um conjunto de medidas que vai ser necessário para colocar as finanças no eixo", avalia.
Os municípios que não majoraram as alíquotas ficam irregulares para fins de emissão do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP). Assim, não podem receber recursos voluntários da União, nem conseguem empréstimos com instituições federais ou aval para operações de crédito. Isso não envolve, contudo, repasses constitucionais, como para saúde, educação e assistência social, mas impede, por exemplo, a destinação de emendas parlamentares ou que sejam firmados convênios com a União.
Para reverter essa situação, basta o município comprovar a aprovação de lei com a majoração das alíquotas. Nesse sentido, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia criou um grupo de trabalho, por meio de portaria publicada em janeiro, visando à revisão dos parâmetros atuariais dos regimes próprios. A ideia é também incentivar os entes a aprovar reformas previdenciárias próprias, para além da adequação obrigatória das alíquotas, almejando a sustentabilidade do sistema.
Segundo o analista em contas públicas da Tendências Consultoria Integrada, Fabio Klein, esses repasses voluntários e empréstimos de instituições federais ou de órgãos internacionais afetam bastante o volume de investimentos nos municípios.
"Os entes desenquadrados ficam impedidos de receber verbas voluntárias, que têm muito a ver com a relação dos deputados e senadores com suas bases e com os convênios com o governo federal e são muito usadas para a expansão e melhoria de serviços públicos. Esse impedimento, portanto, afeta a já baixa capacidade de investimento dos municípios", diz, destacando o efeito também de influência política, uma vez que isso limita a relação dos parlamentares com suas bases eleitorais.
Segundo o Monitor Fiscal dos Estados e municípios da Tendências, a nota para a taxa de investimento das capitais é de 1,94, numa escala que vai de zero a 10.
A análise tem metodologia própria, mas considera a média ponderada dos dados do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) de 2018 ao primeiro semestre de 2020.