A histórica destituição do republicano Kevin McCarthy da presidência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos causa incerteza em um dos pontos mais sensíveis da política americana atual: a ajuda à Ucrânia na guerra. Isso porque o financiamento a Kiev não está previsto no projeto de lei que autorizou gastos acima do orçamento para o ano, aprovado na segunda-feira, 2, e o presidente Joe Biden necessita de um acordo separado com o presidente do Congresso para que os EUA possam continuar enviando auxílio.
Com um cenário inédito na política americana – a queda de McCarthy foi a primeira de um presidente do Congresso em 234 anos de história -, a tarefa se torna mais difícil. A destituição foi arquitetada por congressistas do próprio Partido Republicano, muito dos quais defendem que o governo democrata gasta demais com a Ucrânia e que se irritaram com McCarthy por fazer concessões ao Partido Democrata. Desde então, a Câmara está paralisada.
No fim de semana, Biden disse que o apoio dos EUA à Ucrânia não poderia ser interrompido "em nenhuma circunstância" e que esperava plenamente que McCarthy, ainda líder, "mantivesse o compromisso de garantir a passagem e o apoio necessários para ajudar a Ucrânia enquanto eles se defendem". Após a destituição, o presidente americano admitiu que estava preocupado que a turbulência política pudesse afetar o apoio dos EUA. "Mas sei que há uma maioria de membros da Câmara e do Senado de ambos os partidos que disseram apoiar o financiamento da Ucrânia", disse nesta quarta-feira, 4, mantendo um discurso confiante.
Por mais que as chances de um acordo continuem altas, a destituição de McCarthy pôs fim à expectativa de uma solução rápida. Biden afirmou que teria "outro meio" para continuar financiando Kiev, mas não revelou qual. Segundo a Casa Branca, o financiamento atual se esgota em pouco mais de um mês. "Anunciarei muito em breve um grande discurso que farei sobre esta questão (da guerra) e por que é extremamente importante para os Estados Unidos e nossos aliados que mantenhamos o nosso compromisso", afirmou o presidente.
<b>Sucessor de McCarthy é determinante</b>
O sucesso ou não do acordo em um Congresso de maioria republicana depende em grande parte do sucessor de McCarthy, ainda não escolhido. O deputado Patrick McHenry assumiu o cargo interinamente, mas dificilmente terá condições de realizar algum acordo.
Um relatório produzido pelo grupo Defending Democracy Together (Defendendo a Democracia Juntos, em tradução livre) e citado pela agência de notícias Reuters classificou os sucessores mais prováveis com notas de A a F com base no apoio à ajuda, sendo A um apoio mais forte e F, o mais fraco.
O deputado Steve Scalise, republicano número 2 da Câmara e favorito para assumir o cargo recebeu um B, acima do B- de McCarthy. Entretanto, alguns republicanos que externaram apoio à Scalise receberam nota F, como o deputado Matt Gaetz, que liderou o esforço para derrubar McCarthy, e deixam dúvidas sobre a real disposição de Scalise em apoiar os democratas nesse tópico.
Segundo a Reuters, o presidente do Comitê Judiciário da Câmara, Jim Jordan, e o deputado Byron Donalds, que tem ganhado destaque na Câmara, também receberam nota F. O deputado Tom Emmer, outro nome citado como possível sucessor, obteve um A.
O número de republicanos contrários ao financiamento à guerra na Ucrânia ainda é considerado pequeno, mas foi suficiente para barrar US$ 6 bilhões previstos para Kiev no projeto votado na segunda-feira, que evitou a paralisação do governo.
Como McCarthy foi destituído com o voto de oito deputados republicanos que se rebelaram pelo acordo que o então presidente da Câmara articulou com os democratas para aprovar os gastos adicionais, o seu sucessor pode demonstrar oposição ao governo de maneira mais enfática, incluindo no financiamento para a Ucrânia. "Estamos observando um número muito pequeno de pessoas do Partido Republicano da Câmara ter um papel descomunal na promoção de muita disfunção do Congresso e disfunção fiscal", disse Laura Blessing, pesquisadora sênior do Instituto de Assuntos Governamentais da Universidade de Georgetown.
<b>Apoio à Kiev</b>
A incerteza sobre o apoio financeiro dos EUA a Kiev aumentou no mesmo dia que o almirante Rob Bauer, o mais alto funcionário militar da Otan, alertou para a escassez de munição para a Ucrânia. A preocupação das nações com seus próprios estoques militares tem crescido com os altos custos de uma guerra que se arrasta após 19 meses.
No mesmo dia, Biden se reuniu com os líderes dos países aliados para falar sobre a necessidade de apoio coordenado à Ucrânia, em meio a uma fadiga crescente que pode correr o apoio à Kiev. Líderes europeus acompanham a política americana com atenção e continuam confiantes sobre a continuidade do apoio. "Estou muito convencido de que o Congresso americano tornará possível o apoio necessário à Ucrânia", disse o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, após o contato com Biden.
Em uma reunião da União Europeia nesta quinta-feira, 5, na Espanha, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, chamou os acontecimentos dos EUA de "tempestade política", mas também manteve um tom confiante com relação à continuidade do apoio do país. "Estou confiante nos Estados Unidos. São pessoas fortes, uma sociedade forte, instituições fortes, uma forte energia de democracia", declarou.
Washington enviou ao governo de Kiev US$ 113 bilhões (R$ 581 bilhões) em ajuda de segurança, econômica e humanitária desde que a Rússia invadiu em fevereiro de 2022.
Os líderes do Senado, que é controlado por estreita margem pelos democratas, prometeram adotar uma lei nas próximas semanas para garantir a segurança contínua dos EUA e o apoio econômico à Ucrânia. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)