Um grupo de trabalhadores da 35ª Bienal de São Paulo divulgou uma carta anônima denunciando condições de trabalho que descrevem como extenuantes e práticas supostamente discriminatórias na exposição. O documento foi divulgado pela revista <i>Select</i> (leia abaixo na íntegra).
Por meio de um comunicado enviado ao <b>Estadão</b> nesta sexta-feira, 20, a Fundação Bienal diz que segue todas as leis trabalhistas, contrata até temporários em regime CLT com salários acima da média, e tem um forte compromisso com acessibilidade e diversidade, incluindo políticas e treinamentos específicos para garantir um ambiente inclusivo e respeitoso.
"Os gestores são incentivados a manter um canal de comunicação aberto e horizontal com suas equipes a fim de estimular um ambiente respeitoso e inclusivo. Mas, em caso de ocorrências, existem dois canais de denúncia anônima disponíveis a todos os colaboradores da instituição", afirmam. (Leia o comunicado na íntegra abaixo).
Dentre as questões levantadas na carta, os colaboradores apontam para um vale-refeição que não atende às necessidades diárias, jornadas de trabalho intensas, ambientes com temperaturas elevadas levando a episódios de desmaios, e longos períodos de espera para pausas essenciais, como idas ao banheiro. A denúncia também aborda alegações de práticas discriminatórias, incluindo transfobia, falta de acessibilidade adequada e não reconhecimento do nome social de alguns colaboradores.
Em contrapartida, a Bienal defendeu-se, destacando que os vencimentos oferecidos estão alinhados com os padrões de mercado. Além disso, reforçou seu compromisso com a legislação trabalhista e as boas práticas de gestão, bem como o respeito às normas de acessibilidade e reconhecimento do nome social.
O evento, sediado no Parque do Ibirapuera, conta com a participação de diversos profissionais, incluindo orientadores de público, mediadores e estagiários. A extensão do apoio à carta por parte dos trabalhadores não foi especificada no documento.
<b>Carta de Trabalhadores da Bienal</b>
<i>"Carta aberta de repúdio às condições de trabalho na 35ª Bienal de São Paulo
Nós, trabalhadores da 35ª Bienal de São Paulo, denunciamos as péssimas condições de trabalho em vigor nesta edição, que, além de prejudicar nosso desempenho profissional, do qual depende boa parte da relação do público com a exposição, também têm efeitos nocivos para a nossa saúde física e mental, assim como contribuem para a continuidade das práticas transfóbicas, capacitistas e de outras discriminações estruturantes da sociedade Brasileira.
O contrato por tempo determinado feito pela Fundação Bienal nos sujeita a condições de trabalho que vão desde o VR abaixo do mercado e insuficiente para uma alimentação adequada até a carga de trabalho extenuante, o ambiente com calor excessivo, causando desmaios, a espera de até três horas para um revezamento que permita ir ao banheiro, além das atitudes de intimidação, o que caracteriza assédio moral, entre outros.
Ao mesmo tempo, constata-se que, embora a contratação dos trabalhadores tenha sido feita de forma a contemplar a diversidade (de gênero, étnico-racial e pessoas com deficiência), a Fundação Bienal não tem sua atuação pautada pelo cumprimento legal no que diz respeito a seus trabalhadores/as (ex: lei de acessibilidade 13146/2015 e decreto do nome social n 8727), não prevendo, tampouco, políticas de sustentação da sua permanência no ambiente de trabalho. Essas irregularidades dificultam ou até impossibilitam a atuação desses profissionais.
Neste ponto, não há como ter outro entendimento da situação a não ser o de que, para a Fundação, parece bastar a criação de acesso aos diferentes, de forma que possa difundir um discurso de diversidade. Se assim não for, coloca-se a necessidade de que reconheça a urgência de políticas institucionais para proporcionar a esses profissionais condições de desenvolver suas funções. Do contrário, continuará a evidenciar-se, para a sociedade, que a contratação de corpos marginalizados nessa Bienal faz parte de uma política institucional de merchandising que lucra com essas presenças ao ressoar uma imagem de inclusão, bem como de acessibilidade, sem, no entanto, ter como base as medidas garantidoras do bem estar desses trabalhadores.
Vale aqui informar que os aspectos das relações de trabalho acima indicados afronta não só aos direitos trabalhistas, mas igualmente aos direitos civis e humanos, se justificam dentro do próprio contrato firmado com os profissionais que estabelece como obrigações da Bienal, dentre outros pontos:
– Manter local de trabalho favorável e adequado às atividades propostas
– Fornecer material físico e tecnológico apropriado à execução normal do trabalho
– Prevenir os danos que o empregado possa sofrer
– Promover ambiente de trabalho agradável e estimulante, livre de qualquer forma de discriminação ou preconceito.
Sobre a importância de que sejam providenciadas tais condições, cabe lembrar que a atividade profissional da Equipe de Mediação tem como finalidade trazer reflexões, indagações e intermediar o público com as obras propostas, portanto é qualificado como um trabalho educativo.
Os mediadores que atuam nessa edição passaram por um processo de formação durante um período de três meses com carga horária de 20 horas semanais. A Equipe de Assessoria Educativa é responsável por inúmeras atividades que ocorrem no pavilhão, além da organização de três volumes de publicações educativas que provocam os(as) visitantes ao aprofundamento dos diálogos propostos pela exposição. Apesar de a Equipe de Educação ser um importante pilar para a circulação e democratização da Bienal, o trabalho da mediação está subordinado, nesta edição, à uma Coordenação de Produção, acarretando uma condição de desrespeito a todo o processo educativo e replicando o padrão de desvalorização dos profissionais da área da educação.
Destaca-se ainda que, por um lado, os temas da diversidade e do respeito permeiam toda a proposta política da curadoria da 35ª Bienal. Mas, por outro, a forma de organização do trabalho dos profissionais da mediação e orientadores de público, reproduzida pela Fundação Bienal, perpetua as mesmas estruturas de violência que são denunciadas pelas artistas que compõem a Bienal.
A Fundação Bienal recebe patrocínio de empresas privadas como Banco Itaú, Banco Safra, VALE, B3, Klabin, Bloomberg, Instituto Votorantim, Sabesp, Pepsico, XP, Unipar entre outras, além de recursos públicos vindos através do Ministério da Cultura e Secretaria da Cultura e Economia Criativa. Com tal montante de recursos e, principalmente, levando-se em conta o uso de dinheiro público na realização do evento, fica difícil compreender a restrição de investimento na valorização dos trabalhadores da arte-cultura.
Assim, denunciamos, de forma coletiva e abrangendo as várias categorias de trabalhadores, as violências que vêm adoecendo grande parte de nós, trabalhadores que estamos expostos cotidianamente à violação de direitos, na expectativa de uma mudança nas condutas de nossos superiores hierárquicos que não colaboram com um ambiente de trabalho salutar, respeitoso e cumpridor dos preceitos legais."</i>
<b>Nota da Fundação Bienal de São Paulo, 20 out 2023</b>
<i>"Nota oficial da Fundação Bienal de São Paulo em resposta ao Estadão
Em resposta à solicitação de esclarecimentos, enviada pelo Estadão, sobre condições de trabalho na 35a Bienal de São Paulo, a Fundação Bienal de São Paulo gostaria de elucidar alguns pontos.
Além de seguir o disposto pelas leis trabalhistas e convenções coletivas, a Fundação Bienal, contrata em regime CLT mesmo os funcionários temporários, com salário acima do praticado pelas demais instituições culturais do mercado, de forma que tenham seus direitos trabalhistas e benefícios integralmente assegurados. Além disso, ela realiza seus próprios processos seletivos internamente, de forma a assegurar que as equipes sejam plurais e diversas, e conta com uma série de consultorias e assessorias especializadas para temas como acessibilidade e inclusão, diversidade, relações de trabalho etc, com o apoio das quais oferece treinamentos variados para as equipes.
A Fundação Bienal de São Paulo tem um compromisso efetivo com acessibilidade e diversidade que inclui, mas ultrapassa, a contratação de seus funcionários. Ela possui uma política de acessibilidade, desenvolvida em 2021 com o apoio da organização Mais Diferenças, que desde então tem acompanhado a instituição. Este ano, foram realizadas uma série de palestras de capacitação da equipe quanto a temas relativos à diversidade de gênero, saúde no trabalho, direitos trabalhistas e assédio moral no ambiente de trabalho. Os banheiros de todo o Pavilhão da Bienal são sinalizados de forma que a pessoa se sinta livre e confortável para usar aquele do gênero com o qual se identifica, e o uso do nome social é amplamente respeitado, inclusive constando do relógio de ponto, cartões de vale-refeição e recibos de pagamento. No âmbito da acessibilidade física, tem realizado progressivamente obras para adequar o Pavilhão Ciccillo Matarazzo às normas vigentes, em conformidade com os órgãos de patrimônio.
Na condução diária das atividades, os gestores são incentivados a manter um canal de comunicação aberto e horizontal com suas equipes a fim de estimular um ambiente respeitoso e inclusivo. Mas, em caso de ocorrências, existem dois canais de denúncia anônima disponíveis a todos os colaboradores da instituição; eles constam do Código de Ética da Fundação Bienal, o qual deve ser lido e compactuado por todos os trabalhadores da Fundação no momento da assinatura do contrato: o Comitê de Governança e Ética e a Comissão de Ética da Diretoria Executiva. Esses canais também são divulgados no Portal Bienal, na área de transparência."</i>