Uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF), mais crítica à Operação Lava Jato, pretende usar a delação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) para rever o atual entendimento da Corte que permite que delegados de polícia fechem acordos de colaboração premiada. A delação firmada entre Cabral e a Polícia Federal é contestada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que entrou nesta semana com um recurso no Supremo contra a homologação do acordo.
A delação, sob sigilo, envolve ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e políticos. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo apurou com uma pessoa que teve acesso ao teor da colaboração, o ex-governador do Rio aborda a indicação de magistrados a tribunais.
As primeiras tratativas entre Cabral e a PF começaram no início de 2019, na época em que o ex-governador do Rio confessou pela primeira vez os crimes cometidos. "Meu apego a poder e dinheiro é um vício", disse, em fevereiro do ano passado. O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro foi contra firmar colaboração premiada, posição também adotada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O recurso da PGR está sob análise do relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin. Ao contestar a homologação do acordo por Fachin, Aras alega que há "fundadas suspeitas" de que Cabral segue ocultando o dinheiro ilícito que recebeu do esquema criminoso, o que comprovaria que o acordo viola a condição de "boa-fé" exigida do delator.
Fachin pode levar o pedido da PGR contra a delação para julgamento na Segunda Turma (composta por cinco ministros) ou no plenário (formada pelos 11 integrantes da Corte). Ao menos dois colegas do relator avaliam que o ideal seria submeter o tema para exame de toda a Corte.
A controvérsia com a delação de Cabral reacendeu, nos bastidores do STF, o debate sobre a necessidade ou não de aval do MP sobre os acordos fechados pela Polícia Federal.
Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem levanta dúvidas sobre a validade do acordo do ex-governador, ressaltando a rejeição do Ministério Público. Outro ministro acredita que o tema deve ser levado a plenário, junto de outra delação polêmica: o acordo fechado pela própria PGR com os irmãos Joesley e Wesley Batista, da J&F. A Procuradoria quer a extinção dos acordos dos executivos, mas a manutenção das provas colhidas – a palavra final caberá ao plenário do STF em julgamento marcado para 17 de junho.
<b>Autorização</b>
Em 2018, pelo placar elástico de 10 a 1, o STF decidiu que a Polícia Federal pode fechar acordos de colaboração premiada. O único voto contrário foi justamente de Fachin. Em 2018, o STF decidiu que delegados de polícia – tanto da Federal como da Civil – podem fechar delações. No mesmo ano, por 8 votos a 3, os ministros também firmaram o entendimento de que não é obrigatório que o Ministério Público dê aval à colaboração feita com a polícia.
Em outro ponto delicado daquele julgamento, por 8 a 3, os ministros entenderam que o acordo da PF pode ser fechado mesmo sem anuência do Ministério Público. Os três votos contrários foram de Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, no entanto, não há motivos para o plenário do Supremo retomar a discussão sobre as delações fechadas pela PF. "Decidimos há tão pouco tempo que é possível, vamos reabrir? Causa insegurança", disse. Marco Aurélio foi o relator da ação julgada em 2018 sobre as colaborações premiadas fechadas por delegados.
Um quarto ministro ouvido pelo Estado concorda com Marco Aurélio e avalia que o tema não deve ser revisitado pelo STF, já que a decisão do tribunal foi "massacrante" a favor da PF. Para esse magistrado, a insistência de Aras contra a delação de Cabral é "corporativa e institucional", no sentido de reiterar a posição de que só o Ministério Público pode fazer a delação. A defesa de Cabral informou que não vai se manifestar. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>