O Ministério do Planejamento e Orçamento criou um "sistema de alertas" para o governo agir antecipadamente quando detectar que o espaço fiscal nas contas públicas corre o risco de ficar comprometido nos próximos anos. A depender do problema encontrado, o governo adotará uma medida de revisão de gastos para evitar que a elevação de despesas de uma política adotada agora se torne insustentável daqui a três ou quatro anos, prejudicando a saúde e o resultado das contas do País.
A proposta do Planejamento também prevê a aplicação desse modelo para subsidiar decisões de bloqueios de despesas já a partir do primeiro contingenciamento com o novo arcabouço fiscal – previsto para 22 de março de 2024. A ideia é que o sistema reduza, inclusive, a necessidade desses bloqueios.
O governo quer evitar também os chamados contingenciamentos lineares, aqueles feitos com mesmo porcentual de corte para os ministérios. A ideia é ter um olhar mais qualitativo, baseado em avaliações das políticas públicas.
Atualmente, em relação ao Orçamento de 2023, o governo tem R$ 5 bilhões bloqueados. No próximo ano, a expectativa é de que a equipe econômica tenha de contingenciar entre R$ 23 bilhões e R$ 53 bilhões para conseguir cumprir a meta fiscal – de zerar o déficit das contas públicas – e as regras do arcabouço.
"Vamos fazer esse olhar completo para as despesas. Suponha que algumas decisões atuais possam vir a comprometer o espaço das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio) anos à frente; aí acionamos esses alertas, até para saber em qual magnitude teremos de adotar a revisão de gastos para preservar esse espaço fiscal daqui a três anos", antecipou ao <b>Estadão</b> o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos.
O anúncio da implantação do sistema ocorre num momento em que a política fiscal do governo está sendo criticada após o lançamento do programa Poupança Jovem, de incentivo à permanência dos estudantes do ensino médio na sala de aula.
A avaliação de especialistas em contas públicas é que falta transparência sobre a fonte de financiamento para bancar a nova ação do governo Lula, que abraçou uma promessa de campanha da ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Questionado sobre o tema, o secretário afirmou apenas que será feito um primeiro aporte de crédito orçamentário para o programa, ainda em 2023; e que, para os próximos anos, a pasta vai subsidiar remanejamentos de gastos para criar novos espaços fiscais.
<b>Orçamento de médio prazo</b>
Segundo Bijos, o sistema de alertas já começa agora, no Orçamento de 2024. Dispositivos foram introduzidos nos projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do Orçamento para que o governo comece a aplicar no Brasil o chamado "Orçamento de médio prazo" – que, inicialmente, será focado em alguns subconjuntos de metas e prioridades.
"Já fizemos isso e pouca gente viu", destaca o secretário. Segundo Bijos, alertas já foram disparados, mas só serão conhecidos mais à frente, com os anúncios da revisão de gastos.
A proposta faz parte de uma agenda de modernização orçamentária, que inclui uma reforma na lei 4.320, que rege as finanças do setor público no País e completará 60 anos no ano que vem. Um projeto de nova lei será enviado ao Congresso em 2024.
Batizada de Orçamento por Desempenho 2.0, a reforma orçamentária procura fazer com que o aumento dos recursos para uma determinada política dialogue com os resultados previstos. Um grupo de trabalho já está debruçado sobre o assunto, segundo Bijos. "Ainda que eu não possa explicitar quais políticas (estão em revisão), posso dar meu testemunho de que o trabalho está rodando muito rápido", diz.
<b>Revisão de políticas públicas</b>
O secretário destaca que revisão é diferente de avaliação das políticas públicas, trabalho que já vem sendo feito pelo governo. "Para saltar da avaliação para a revisão, tem de adesivar o número de economia potencial, é isso que estamos fazendo agora", afirma.
Na sua avaliação, a criação desse grupo de trabalho é um marco institucional fundamental para a reforma do Orçamento. "Era algo que faltava no Brasil", avalia.
O secretário deu um exemplo prático de como funcionará essa revisão. No caso de uma decisão de aumento de despesas com salários via reestruturação de carreiras, com o Orçamento de médio prazo, o Planejamento poderá olhar o impacto dessa medida num horizonte de quatro anos, dentro das regras fiscais, e perceber que essa decisão irá, por exemplo, reduzir o espaço para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "Pode ser que a decisão política seja a de fazer as duas coisas. A saída, então, será acionar a ferramenta de revisão de gastos para encontrar espaço fiscal, revisitando o estoque total de políticas públicas que se carrega do passado", explica.
No projeto do Orçamento de 2024, o caso mais emblemático é o aumento de R$ 50 bilhões de recursos destinados à área da saúde, em relação a 2023. "O questionamento que queremos colocar para toda a sociedade e o governo é o seguinte: esses R$ 50 bilhões correspondem a que tipo de entregas e a que tipo de resultados esperados?", explica.
Além de atrelar os desembolsos do Orçamento a determinados resultados, o ministério também busca estabelecer metas físicas. Ou seja, calcular o impacto que um aumento de gasto específico teve na ponta, na entrega para a sociedade. Projetos-pilotos já estão sendo realizados com três ações orçamentárias: Minha Casa, Minha Vida; cisternas; e assentamento de famílias.
Dados compilados pela pasta mostram, por exemplo, que um aporte de R$ 403,7 milhões, ao longo de 2023, foi capaz de assentar 10.501 famílias. "Isso suscita uma série de discussões interessantes, como, por exemplo, qual o custo médio unitário das ações orçamentárias", pontua Bijos.