Estadão

Andrea Illy: Agricultura regenerativa deu qualidade ao café brasileiro

A propriedade São Mateus Agropecuária, de Varjão de Minas (MG), produz o melhor café do mundo, segundo a illy, que este ano, pela primeira vez, entregou a um produtor brasileiro o prêmio Best of the Best, na 8ª edição do Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy. Um painel independente de nove especialistas examinou os melhores lotes da colheita de 2022/23 por meio de uma degustação às cegas de nove cafés dos países finalistas: Brasil, Costa Rica, El Salvador, Etiópia, Guatemala, Honduras, Índia, Nicarágua e Ruanda. O resultado final agradou a ninguém menos que o próprio promotor do prêmio: Andrea Illy, presidente da tradicional empresa familiar italiana.

Em entrevista ao <i>Broadcast Agro</i>, ele atribuiu o prêmio inédito para o Brasil ao investimento que vem sendo feito no campo em agricultura regenerativa, que melhora a saúde do ecossistema graças ao aumento da biodiversidade das plantas utilizadas para cobertura e dinâmica do solo, entre outros benefícios. A adoção deste tipo de manejo, segundo ele, só tem vantagens: produtores que mudaram da agricultura convencional para a regenerativa tendem a se recuperar mais rapidamente de eventuais efeitos das mudanças climáticas sobre a safra. E mais: veem o valor de sua propriedade aumentar.

Na entrevista, o executivo recordou a dedicação do pai, Ernesto, que em 1991 criou no Brasil um pioneiro prêmio de qualidade, que a cada ano ganha novos inscritos e reconhecimento de instituições dedicadas ao setor. "É uma grande satisfação verificar a mudança no mercado brasileiro, que se tornou produtor de cafés de altíssima qualidade, sendo que anteriormente era reconhecido apenas como líder na produção de café commodity", afirmou.

<b>O Brasil faturou pela primeira vez o prêmio Best of the Best na 8ª edição do Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy. Qual o significado dessa conquista para o País?</b>

Foi uma surpresa positiva e se deve à agricultura sustentável regenerativa, que permite regenerar naturalmente o solo e reduzir as emissões de gás carbônico. É interessante notar que, há cerca de um mês, lançamos o primeiro café de agricultura regenerativa certificado. Este tipo de cultivo também contribui para a melhoria da saúde do ecossistema graças ao aumento da biodiversidade das plantas utilizadas para cobertura e dinâmica do solo. Esta certificação comprovou que houve um aumento de substâncias orgânicas no solo, além de melhoria da biodiversidade, reequilíbrio das funções naturais do ecossistema, sequestro de gás carbônico e melhora dos ciclos de água, carbono e nutrientes. A máxima que trago comigo é a de que "se você pode sonhar, você pode fazer" e os cafeicultores brasileiros mostraram que é possível realizar.

<b>A São Mateus Agropecuária fez a transição para a produção de cafés especiais há 15 anos, sempre com foco nos pilares da sustentabilidade. Atualmente, adotou a cafeicultura regenerativa, que mantém os solos vivos e a saúde de todo o ecossistema. Agricultura e preservação ambiental podem caminhar juntos?</b>

Com certeza. Existem constatações, sem comprovação científica, mas observadas empiricamente: a agricultura regenerativa pode se tornar carbono negativo pelo correto manejo da propriedade, como uso racional do solo e da água. A fazenda brasileira vencedora do prêmio Best of the Best, por exemplo, tem 353 hectares, dos quais apenas 76 hectares são ocupados com agricultura, no cultivo de café, e o restante é uma reserva florestal. Os produtores também têm declarado que a produtividade é a mesma, ou até maior, do que na agricultura convencional. Mais: os produtos colhidos são deliciosos e melhoram a saúde das pessoas, já que nesse sistema, com menos resíduos de agroquímicos, as plantas podem produzir mais fitoquímicos benéficos, como antioxidantes, ou seja, é uma agricultura virtuosa.

<b>Nesse contexto, como estimular os produtores de café convencional, que ainda não conseguiram financeiramente, ou não tiveram oportunidade, de fazer a transição para uma produção regenerativa?</b>

Os produtores que transitam da agricultura convencional para a regenerativa tendem a se tornar mais resilientes aos efeitos das mudanças climáticas. Além disso, o valor econômico da propriedade pode aumentar, tornando-se um grande negócio. Com café de melhor qualidade, a perspectiva é de preço mais alto pago pelo produto.

<b>Com relação ao mercado global da commodity, que balanço de oferta e demanda o senhor faz da temporada recém-encerrada 2022/23 (outubro a setembro) e para a atual safra 2023/24?</b>

O ciclo bienal do café arábica provavelmente se inverteu no Brasil depois da grande geada de 2021 e devemos ver uma produção maior em 2024. Produtores têm adotado práticas sustentáveis e cortado custos, tendências que devem continuar. O consumo não cresceu em 2022/23, mas esperamos que volte a crescer em 2023/24, embora não tenha dados para confirmar isso. Em 2022/23 a inflação nos Estados Unidos e na Europa segurou a demanda em geral. Esperamos que a inflação se normalize um pouco, evitando uma recessão, e que o consumo volte a crescer em 2024. A China, em particular, depois da crise de covid-19, reabriu o mercado, mas a economia ainda se mostra enfraquecida.

<b>Qual a tendência das cotações do café arábica para 2024, considerando o quadro global de oferta e demanda?</b>

É difícil explicar e estimar quais são os fatores que podem influenciar o mercado de café, cuja tendência não parece relacionada com fundamentos, embora os estoques mundiais estejam em baixa recorde. Temos a expectativa de crise climática, provocada pelo fenômeno El Niño. Problemas com outras commodities alimentares, como cacau, cujas cotações estão em alta recorde, também podem influenciar outros mercados agrícolas.

<b>Sobre a companhia illycaffè, tradicional empresa familiar, os resultados de 2023 estão dentro do esperado?</b>

O crescimento da companhia em 2023 está em linha com expectativas apresentadas no último trimestre. Mas temos a tarefa de absorver os aumentos de custos com café e a inflação, racionalizando os custos operacionais. Tivemos reajuste de preço dos produtos vendidos, mas ainda abaixo dos custos.

<b>Quais são os projetos para 2024?</b>

Os projetos são de grandes investimentos, pois precisamos dobrar a capacidade produtiva (a companhia não divulga dados que considera estratégicos). Temos planos de investir cerca de 20 milhões de euros nos próximos três anos somente para dobrar a capacidade produtiva. A ideia é lançar mais produtos, investir em marketing e digitalização da empresa.

Posso ajudar?