Pressionado de todos os lados pelo governo, o Ibama decidiu levar adiante a sua decisão técnica e determinou que a concessionária Norte Energia, dona de Belo Monte, execute a liberação máxima de vazão de água para o rio Xingu, entre os dias 1 e 7 de fevereiro.
Com a decisão, a empresa será obrigada a liberar, a partir de segunda-feira, 1º, e durante uma semana, 10.900 metros cúbicos de água por segundo, conforme prevê o cronograma provisório estabelecido pelo Ibama. A Norte Energia e o Ministério de Minas e Energia (MME), que acionou toda a cúpula do governo para derrubar a decisão do órgão ambiental, queriam que essa vazão se limitasse a 1.600 m³ por segundo.
O Ministério de Minas e Energia e membros do setor elétrico alegam que, ao liberar mais água para o rio, haverá uma redução no volume de energia que estava previsto pela casa de força principal de Belo Monte. Com essa frustração de geração, é preciso comprar essa energia de outras fontes, como usinas térmicas, que são mais caras e poluentes.
O custo dessa aquisição, considerando apenas as vazões determinadas para janeiro e fevereiro, chegariam a cerca de R$ 1,3 bilhão, pelos cálculos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A fatura deve ser dividida entre todos os consumidores na conta de luz.
A reportagem apurou que a decisão já foi comunicada à concessionária e demais autoridades. No ofício emitido na tarde desta sexta-feira, 29, ao qual o <b>Estadão</b> teve acesso, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, afirma que o tema continuará a ser discutido nos próximos dias.
Em situações normais, a vazão é decidida mensalmente, conforme cronograma prévio. A medida, portanto, é paliativa, enquanto não há uma decisão final.
A medida surpreende o próprio governo e representa uma derrota para a cúpula do setor elétrico, que passou os últimos meses tentando derrubar as definições técnicas do órgão ambiental. Como o <b>Estadão</b> informou nesta sexta-feira, 29, o governo colocou até o Ministério da Economia para alegar que qualquer mudança na partilha das águas do Rio Xingu realizada pela hidrelétrica de Belo Monte poderá comprometer a retomada do crescimento econômico do País. A pasta chega a afirmar que as mudanças poderiam, inclusive, impor riscos à ordem pública.
<b>Ameaça à retomada</b>
Em ofício que o Ministério da Economia encaminhou na quinta-feira, 28, ao Ibama, a pasta afirmou que, "sem entrar em qualquer discussão jurídica ou de mérito ambiental que foge das atribuições desta Secretaria, e assumindo as consequências energéticas apresentadas pelo ministério setorial responsável (MME), a manutenção pelo Ibama do referido hidrograma pode atrapalhar a necessária retomada do crescimento econômico do país após crise sanitária sem precedente, importando riscos à ordem e à economia pública", afirma.
A pasta comandada por Paulo Guedes afirmou ainda que "com imensa probabilidade, implicará perda de competitividade e produtividade das empresas brasileiras e perda de renda das famílias. Cabe destacar, ainda, a hipótese de incremento na percepção do risco regulatório no país, deteriorando ambiente de investimentos em infraestrutura nacional".
Na quinta, 27, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, disse que esperava uma decisão de "equilíbrio" sobre mudanças na quantidade de água que é liberada pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Para André Pepitone, há "espaço para um meio termo" na decisão sobre liberação de água da hidrelétrica. Na quarta-feira, 27, a Aneel enviou um ofício ao Ibama, para comentar qual seria o custo financeiro para a tarifa do consumidor de energia, caso a Norte Energia siga as determinações do órgão ambiental em fevereiro, como já fez em janeiro.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) chegou a alertar que a maior parte da energia térmica do País já estaria contratada e que, sem a programação original de Belo Monte, teria que gerar mais energia de outras hidrelétricas, esvaziando mais seus reservatórios, o que poderia deixar a segurança energética nacional em situação mais vulnerável.
Acontece que, do lado ambiental, a situação dramática que seria causada ao rio Xingu não é nenhuma surpresa. Em novembro de 2015, a Norte Energia fechou a barragem principal da usina, desviando uma média de até 80% da água para um canal artificial de mais de 20 quilômetros, onde foram instaladas as grandes turbinas da hidrelétrica. Com esse desvio, um trajeto de 130 km, que há milhares de anos convivia com um regime natural de seca e cheia, passou a ser submetido a um regime extremamente reduzido de água, o que tem acabado com dezenas de espécies de peixes, tartarugas e frutos, comprometendo a vida do rio e a subsistência de milhares de famílias espalhadas em 25 vilas do trajeto do rio, entre indígenas e não indígenas.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>