Para comemorar os 125 anos do cinema, o canal Telecine Cult acertou ao escolher como homenageado o cineasta que utilizou todos os grandes recursos dessa arte para torná-la grandiosa: o inglês Alfred Hitchcock (1899-1980). Ao tornar o espectador em seu cúmplice – a plateia sabe que o suspeito não é o culpado e acompanha, angustiada, sua luta pela inocência -, Hitch determinou os pilares do cinema de suspense, sem se esquecer do humor, muitas vezes macabro. Aqui, portanto, nesses 14 longas, está a essência da obra de Hitchcock – ver esses filmes é a melhor aula sobre cinema que alguém pode desfrutar.
<b>O Sabotador</b>
Sábado, 12h20, Telecine Cult
(Saboteur). EUA, 1942. Direção de Alfred Hitchcock, com Robert Cummings, Priscilla Lane, Norman Lloyd e Otto Kruger.
Operador de fábricas de armamentos, após um incêndio provocado por um sabotador no qual morre seu melhor amigo, é acusado do crime e foge para capturar o verdadeiro culpado, envolvendo-se em uma rede de espionagem nazista. O bom e velho Hitch desenvolve aqui a linha mestra que marca a maioria de seus filmes, ou seja, o inocente que luta para provar que não é o verdadeiro culpado. Se não demonstrou a excelência de suas obras-primas (como O Homem Errado), ele não deixa a peteca cair.
<b>À Sombra de uma Dúvida</b>
Sábado, 14h20, Telecine Cult
(Shadow of a Doubt). EUA, 1943. Direção de Alfred Hitchcock, com Teresa Wright, Joseph Cotten, Macdonald Carey, Hume Cronyn.
O filme que Hitchcock destacava como seu preferido – e justamente por ser o mais verossímil. A história é centrada na relação entre tio e sobrinha. O tio é assassino de viúvas ricas, que seduz para matar (e ficar com o dinheiro). A sobrinha acaba desconfiando. Num determinado momento, outro suspeito morre durante uma tentativa de fuga e a inocência do tio parece provada. Mas a dúvida permanece. O tio, por três vezes, tentará matar a garota. Fracassa em duas, mas na terceira… Nesse filme, é possível observar a linha mestra que Hitchcock montou para suas histórias: a de que os inocentes assumem as faltas dos culpados e vice-versa. Tio e sobrinha não só têm o mesmo nome (Charlie) como parecem criar uma espécie de comunicação quase telepática. Isso enriquece a caracterização dos personagens, reforçada ainda por uma construção dramática engenhosa de Hitch, baseada numa rigorosa simetria: mesmos enquadramentos, movimentos de câmera e cenários para definir a dupla de personagens. O filme é uma aula de cinema.
<b>O Terceiro Tiro</b>
Sábado, 16h20, Telecine Cult
(The Trouble with Harry). EUA, 1955. Direção de Alfred Hitchcock, com Edmund Gwenn, John Forsythe, Shirley MacLaine, Mildred Natwick.
Fãs de Hitchcock podem estranhar o abuso do humor em detrimento do habitual suspense. O filme mostra o que ocorre quando um cadáver aparece numa cidade da Nova Inglaterra, subvertendo a vida pacata dos habitantes – muitos, temendo ter relação com o que parece um crime, tentam esconder o corpo. Um humor muito subversivo, que combina com o tipo de horror preferido pelo diretor. Além do elenco de primeira, o filme beneficia-se da partitura de Bernard Herrmann (a primeira para Hitchcock).
<b>Festim Diabólico</b>
Sábado, 18h10, Telecine Cult
(Rope). EUA, 1948. Direção de Alfred Hitchcock, com James Stewart, Farley Granger e John Dall.
Dois jovens estrangulam um companheiro acreditando na absurda teoria de que seres inferiores podem ser eliminados. Em seguida, organizam uma festa com o corpo escondido em um baú na sala, tendo como convidados os pais e a noiva do morto. Imaginam ter cometido o crime perfeito até que um professor deles começa a investigar. Primeiro filme colorido do mestre do suspense, que decidiu exercitar uma curiosa experiência: filmar as cenas sem corte e em apenas um cenário, respeitando apenas o tempo de duração de cada rolo de filme. Assim, os cortes só ocorrem a cada dez minutos e, para disfarçar, Hitchcock criou mecanismos para escurecer a tela até o início do próprio rolo. Isso exigiu uma sofisticada organização, em que até o entardecer é cuidadosamente mostrado pela janela. Anos depois, Hitch desaprovou a própria ideia, argumentando que a arte do cinema está justamente na técnica da edição. Na teoria, ele estava certo, mas, como ele foi um dos principais criadores do cinema, é impossível não acompanhar com tensão as enormes tomadas. Um grande filme, inspirado em um caso real.
<b>Um Corpo que Cai</b>
Sábado, 19h40, Telecine Cult
(Vertigo). EUA, 1958. Direção de Alfred Hitchcock, com James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes.
Por trás da fama de mestre do suspense, Alfred Hitchcock revelava-se um profundo analista da alma humana. Um Corpo que Cai talvez seja o melhor e mais enigmático trabalho de Hitchcock. Na história do detetive com medo de altura, que é contratado para seguir a mulher de um amigo por quem acaba se apaixonando, o diretor constrói uma obra perturbadora, permeada por citações necrófilas e psicanalistas. Afinal, a paixão torna-se uma obsessão quando o detetive descobre outra mulher com as mesmas características de sua amada, morta em um acidente. O que as diferencia é apenas a cor dos cabelos. Segundo o pesquisador e crítico Ismail Xavier, o filme representa "um laboratório sobre como funciona o espetáculo, como funciona a astúcia da representação. Hitchcock encontrou uma forma de articular as demandas do desejo e as da cidadania.
<b>Janela Indiscreta</b>
Sábado, 22h, Telecine Cult
(Rear Window). EUA, 1954. Direção de Alfred Hitchcock, com James Stewart, Grace Kelly, Thelma Ritter.
A história do fotógrafo que, por conta de uma perna engessada, é obrigado a passar o dia admirando os vizinhos pela janela e, com isso, descobre um assassino, tornou-se símbolo da arte cinematográfica. Ou seja, pelas lentes de sua câmera, o personagem de James Stewart representa o próprio espectador. Para outros, como o crítico Ismail Xavier, a metáfora é para o teatro. Segundo ele, Stewart representa o público; o pátio entre os prédios sugere o fosso do teatro; e os moradores dos apartamentos, como não notam a vigilância, são como atores interpretando no palco. Clássico indispensável e Grace Kelly comprova que não era apenas uma bela mulher, mas também uma atriz com inúmeros recursos cênicos.
<b>O Homem que Sabia Demais</b>
Sábado, 0h, Telecine Cult
(The Man Who Knew Too Much). EUA, 1956. Direção de Alfred Hitchcock com James Stewart, Doris Day.
James Stewart e Doris Day protagonizam mais esse suspense de Hitch. O cineasta tece uma teia de intrigas na história de uma família envolvida, acidentalmente, numa conspiração de assassinato internacional. Quando seu filho é sequestrado para garantir o silêncio, o casal inicia uma viagem perigosa para deter os criminosos e salvar o garoto. Doris Day canta Que Será, Será (Whatever Will Be, Will Be) no final emocionante e que se tornou a principal marca do filme. A música ganhou o Oscar de melhor canção. Refilmagem de um longa que o próprio Hitchcock dirigiu em 1934, esse consegue ser ainda mais emocionante.
<b>Trama Macabra</b>
Domingo, 2h15, Telecine Cult
(Family Plot). EUA, 1976. Direção de Alfred Hitchcock, com Karen Black, Bruce Dern, Barbara Harris.
A falsa médium Madame Blanche (Barbara Harris) e seu namorado, o taxista George Lumley (Bruce Dern), tentam arrancar algum dinheiro de Julia Rainbird (Cathleen Nesbitt) dizendo que conseguem se comunicar com seu sobrinho desaparecido. Último filme de Hitchcock, que se despede com dignidade. O título nacional induz a um suspense, o que não é verdade, pois há momentos de humor quase rasgado. Uma curiosidade é a presença na ficha técnica de John Williams, grande compositor de trilhas sonoras, assinando a desse filme – impossível não notar sua reverência a Bernard Hermann, especialmente a seu clássico trabalho em Psicose. Um filme que se vê com um sorriso embalado pela melancolia da saudade.
<b>Frenesi</b>
Domingo, 11h25, Telecine Cult
(Frenzy). Inglaterra, 1972. Direção de Alfred Hitchcock, com Jon Finch, Barry Foster, Alec McCowen, Anne Massey, Billie Whitelaw.
O penúltimo filme de Hitchcock marcou o retorno do mestre à Inglaterra. Mais uma vez, a trama se constrói em torno ao tema do homem errado, o preferido do grande diretor. Homem é perseguido pela polícia, suspeito de assassinatos de mulheres com gravatas que estão sendo cometidos por outro. Para comprovar que Hitch ainda continuava imbatível, basta observar uma cena: mulher fica aterrorizada quando percebe que seu convidado está tirando a gravata. Nesse momento, a câmera sai do quarto, desce a escada e sai dos prédio. Não se ouve nenhum grito. Em seguida, o assassino sai do edifício, sem a gravata, com a expressão de quem realizou o desejo. Genial.
<b>Cortina Rasgada</b>
Domingo, 15h45, Telecine Cult
(Torn Curtain). EUA, 1966. Direção de Alfred Hitchcock, com Paul Newman, Julie Andrews. Cientista americano decide desertar para Berlim Oriental e conseguir fundos para um projeto. Mas a sua noiva intercepta uma mensagem para ele e resolve segui-lo. Drama que, às vezes, demora para embalar, até porque Newman e Julie não empolgam como casal protagonista. Mas há uma cena capital, a do fogão, que chegou a ser proibida no Brasil por causa da violência.
<b>Ladrão de Casaca</b>
Domingo, 18h05, Telecine Cult
(To Catch a Thief). EUA, 1955. Direção de Alfred Hitchcock, com Cary Grant, Grace Kelly, Jessie Royce Landis e John Williams.
Na Riviera Francesa, série de roubos de joias lembra o estilo dos assaltos cometidos por célebre ladrão, conhecido por "Gato". Apontado como um dos filmes menores do mestre Hitchcock, ainda assim tem cenas memoráveis, como o cigarro apagado em um ovo frito e o muito imitado momento da queima de fogos de artifícios, ambas simbolizando discretamente o ato sexual e o prazer. Grace Kelly está radiante como nunca, da mesma forma com que é retratada os bem-nascidos daquela região francesa. Oscar para a fotografia de Robert Burks.
<b>Psicose</b>
Domingo, 20h, Telecine Cult
(Psycho). EUA, 1960. Direção de Alfred Hitchcock, com Anthony Perkins, Vera Miles, Janet Leigh.
Um dos maiores sucessos de Hitch, filme repleto de significados e que mantém o espectador em constante tensão. Janet Leigh interpreta Marion Crane, a mulher que decide fugir com 40 mil dólares, dinheiro roubado do escritório onde trabalha. À noite, em meio a um temporal, busca refúgio em um hotel de beira de estrada chamado Bates Motel. Lá, acaba terrivelmente assassinada no chuveiro pelo dono do estabelecimento, vivido por Anthony Perkins, que também ganhou notoriedade com o papel. A morte surpreende o público que assiste ao filme não apenas pela violência como por acontecer justamente na metade da história, algo impensado para uma estrela como Janet. A surpresa era tamanha que, na época, Hitchcock determinou que nenhuma pessoa poderia entrar no cinema depois de iniciada a projeção – ainda que considerado um ardiloso golpe publicitário, a atitude era justificada pelo diretor: um espectador que chegasse com minutos de atraso se sentiria decepcionado de ver a estrela morrendo sem ter bem claro o motivo. A cena da ducha dura apenas 45 segundos, o suficiente para provocar uma verdadeira revolução em Hollywood. Não apenas a sequência foi plagiada inúmeras vezes – especialmente por Brian De Palma, para quem Hitchcock se tornou uma verdadeira obsessão – como mudou o cinema. O terror nunca mais foi o mesmo, mas ainda teve de esperar mais 13 anos para ficar completamente explícito, a partir de O Exorcista. A própria linguagem do videoclipe e da MTV sai da ducha em que Marion Crane é esfaqueada.
<b>Os Pássaros</b>
Segunda, 20h, Telecine Cult
(The Birds). EUA, 1963. Direção de Alfred Hitchcock, com Rod Taylor, Tippi Hedren, Jessica Tandy.
Filme apocalíptico, baseia-se em um original de Daphne Du Maurier e usa o fantástico ataque dos pássaros à cidade de Bodega Bay para tratar de uma situação humana. Melanie Daniels (Tippi Hedren) segue o homem por quem está interessada (Rod Taylor) até a cidade em que ele vive com a mãe possessiva (Jessica Tandy). Ou seja, um típico herói edipiano, bem como Hitchcock gostava. Mesmo os efeitos especiais, considerados pré-históricos diante da tecnologia atual, impressionam, especialmente quando Hitchcock constrói suas grandes cenas. Como a da vista aérea, em que das nuvens o espectador vê a região de Bodega Bay que está sob ataque e, aos poucos, pássaros entram no campo de visão, criando uma imagem assustadora. Hitchcock exercita sua habilidade em criar suspense deixando o público informado (e aflito) sobre detalhes que os personagens desconhecem. Como no momento em que Melanie, sentada em um banco, não percebe que os pássaros vão se aglomerando às suas costas, nos brinquedos do parquinho. Ela só descobre o perigo quando, ao acompanhar o voo de um dos pássaros, ele pousa no brinquedo, já repleto de aves. Uma das várias sequências primorosas do filme.
<b>Marnie, Confissões de uma Ladra</b>
Segunda, 0h10, Telecine Cult
(Marnie). EUA, 1964. Direção de Alfred Hitchcock. Com Tippi Hedren, Sean Connery, Bruce Dern, Louise Latham, Diane Baker, Alan Napier.
Realizado em 1964, foi um dos poucos que provocaram tanta dor de cabeça no mestre do suspense. A começar pela formação do elenco – Hitch pretendia Grace Kelly para o papel da moça que, para compensar a frigidez sexual, torna-se cleptomaníaca. Mas, como ela já se tornara princesa de Mônaco e abandonara o cinema, a solução foi trazer Tippi Hedren, que participou de seu trabalho anterior, o clássico Os Pássaros. A relação entre eles, no entanto, foi tensa. Obsessivo, o diretor cuidou de todos os detalhes de sua estrela, como roupas, locais que frequentava etc. Sentindo-se sufocada, Tippi cometeu o pecado mortal de, em momento de desabafo, mencionar a gordura do diretor, tema considerado tabu. O resultado é perceptível na tela, com a atriz executando seu papel quase de maneira mecânica. Mesmo assim, Marnie, Confissões de uma Ladra exibe um belo trabalho de cor, além de certas cenas interessantes, como o assalto ao cofre. A se lamentar apenas uma certa tendência ao freudismos praticado pelo diretor.