Debate sobre renda básica precisa ir além do financiamento, alertam especialistas

Nas redes sociais, Bruna Santos, de 22 anos, pediu ajuda para comprar gás e poder cozinhar para os três filhos. "Meu gás acabou há uns dias. Já meu auxílio (emergencial) só cai na semana que vem. (O dinheiro) pode ser emprestado. Devolvo quando receber, na terça-feira", dizia ela.

São pessoas como Bruna que compõem as 4,25 milhões de famílias que, em agosto, tiveram o auxílio emergencial como única fonte de renda. Se quando o Bolsa Família foi criado, em 2003, houve resistência e críticas ao programa, considerado então, por muitos, uma fórmula para parte da população se tornar dependente do Estado, hoje, quando se discute ampliá-lo aproveitando a experiência do auxílio emergencial, os economistas são praticamente unânimes em apoiar a medida.

A pandemia teve papel crucial nessa mudança de perspectiva ao deixar mais evidente o nível de desigualdade do País e a falta de proteção da população de menor renda. "Quando pessoas perdem a possibilidade de trabalhar, elas não têm nada. Por isso o auxílio emergencial foi tão importante e precisa ser discutido com mais rigor", diz a economista Lucilene Morandi, da Universidade Federal Fluminense.

Economista do Insper, Marcos Mendes reforça que o auxílio emergencial deu impulso à ideia de se ter uma renda mínima. "Reduziu-se a resistência à transferência de renda, que alguns segmentos viam como esmola. A transferência de renda é para atingir pessoas que, por mais esforço que façam, não conseguem sair da pobreza."

Nas discussões sobre como ampliar o programa – que têm mobilizado economistas, Congresso, governo e mercado financeiro em razão do risco de se furar o teto de gastos -, o financiamento tem sido o ponto central. Mas especialistas apontam outro problema que tem ficado de lado no debate: o de o Bolsa Família, usado na redução de pobreza e na coordenação de outras políticas sociais, acabar se desmantelando.

<b>Prioridade</b>

A família de Bruna, socorrida pelo auxílio emergencial na pandemia, era uma das dependentes do antigo programa do governo federal. Na casa dela as contas nunca fecham, mas os R$ 253 do Bolsa Família aliviam. Antes da quarentena, o marido dela tentou trabalhar como motorista do Uber. Teve mês que ganhou R$ 3 mil, mas R$ 2,2 mil foram para alugar o carro. Do que sobrou, R$ 600 foram para o aluguel da casa.

Com o afastamento social e a redução da demanda por corridas, o marido de Bruna devolveu o carro alugado e a família passou a sobreviver com o auxílio de R$ 1,2 mil. "Deixamos as contas acumular. Prioridade aqui é alimentação para as crianças e o aluguel."

Ao receber o Bolsa Família, Bruna vinha sendo acompanhada pelo governo. Suas crianças precisam estar com a vacina em dia e logo terão de frequentar a escola. Se não seguirem as regras, assistentes sociais entrarão em contato e, em último caso, ela poderá perder o benefício. Esse acompanhamento serve ainda para que o governo identifique uma oferta inadequada de serviços.

O economista Ricardo Henriques, um dos criadores do Bolsa Família e superintendente executivo do Instituto Unibanco, afirma se preocupar com a possibilidade de o programa deixar de ser um pivô para coordenação de políticas sociais e se transformar apenas em um projeto de transferência de renda.

"O Bolsa Família tem potencial para além do alívio da pobreza. Virar apenas programa de alívio de pobreza é desconstruir o acúmulo de informação que permite uma política social mais estruturada e avançada", diz.

Para a economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University, nos EUA, há um risco de "perda de foco" quando se pensa em substituir o Bolsa Família por algo semelhante ao auxílio emergencial.

"O Bolsa Família é um dos programas de redução de pobreza mais eficientes do mundo. Quando você muda os critérios de elegibilidade, você pode perder o foco e torná-lo menos eficiente", diz a economista, em referência à possibilidade de ampliação do programa de modo a incluir pessoas vulneráveis, mas que podem conseguir se inserir no mercado de trabalho.

Monica defende que a população que oscila entre a formalidade e a informalidade seja assistida por meio de um benefício entregue quando a renda ficar abaixo de certo patamar.

<b>Benefício</b>

A carioca Débora Ferreira, de 36 anos, seria uma das beneficiadas por esse auxílio proposto por Monica. Nos últimos meses, o auxílio emergencial foi fundamental para ela. Débora já trabalhou como assistente administrativa em uma escola mas há dois anos vende bolos para pagar as contas.

Na quarentena, a concorrência aumentou e os preços dos ingredientes subiram. As vendas de Débora caíram de R$ 1,8 mil para R$ 1 mil. "O auxílio ajudou bastante", diz a carioca que está tentando uma vaga em um mercado atacadista.

Marcos Mendes, do Insper, também sugere, ao lado de outros economistas do Centro de Debate de Políticas Públicas, a criação de um benefício para essa população vulnerável. O mecanismo seria semelhante ao do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS): a pessoa receberia um depósito mensal equivalente a um porcentual de seu rendimento, mas só poderia sacá-lo em situações específicas, como no caso de uma queda aguda de suas remunerações.

Esse benefício atenderia 5,2 milhões de famílias e a renda básica, para a população mais pobre, outras 13,2 milhões. "Quando se tem dois tipos de benefícios você pode atender mais gente com o mesmo orçamento. Sai muito mais caro transferir renda para todo mundo do que transferir para aquele que vai usá-la apenas no momento em que tiver dificuldade", diz Mendes. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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