No segundo e último debate antes da eleição americana, Donald Trump e Joe Biden mostraram visões contrastantes sobre os EUA e trocaram acusações sobre a honestidade um do outro. Atrás nas pesquisas de intenção de voto a 12 dias da eleição, Trump buscou tirar o foco de seu mandato, enquanto Biden abordou de forma mais assertiva as questões sobre os negócios do republicano e tentou fazer da noite uma discussão sobre a gestão do atual presidente.
Diferentemente do que ocorreu no encontro anterior entre os dois, o debate correu sem interrupções frequentes ou fortes ataques pessoais. No primeiro debate, Biden chegou a pedir a Trump que calasse a boca. Em uma tentativa de evitar o que ocorreu no primeiro duelo entre os dois candidatos, considerado o mais caótico da história recente dos EUA, republicano e democrata tiveram o microfone silenciado durante os dois minutos iniciais de cada resposta.
Biden foi firme e manteve a calma mesmo nas acusações contra sua família e buscou mostrar, ao longo do debate, contradições no discurso de Trump, com menções a declarações passadas do presidente. Trump teve uma participação mais moderada do que o habitual, com respeito ao tempo de fala de Biden. Em alguns momentos, Biden ria de forma sarcástica quando Trump fazia agressões pontuais.
Os dois mostraram visões contrastantes nos outros temas debatidos na noite desta quinta-feira, como o acesso à saúde, políticas de imigração e meio ambiente. Ao falar sobre proteção ambiental, por exemplo, Biden afirmou que o país tem "obrigação moral de lidar com as mudanças climáticas". "Vamos passar o ponto de não retorno nos próximos oito ou dez anos", disse Biden. Já Trump afirmou que não vai "sacrificar empregos e empresas por causa do Acordo de Paris".
No bloco sobre acesso à saúde, Biden prometeu ampliar o sistema conhecido como Obamacare. Já Trump disse que o rival tenta "socializar" o acesso à saúde, ao associar o opositor à esquerda do Partido Democrata.
O primeiro bloco do debate foi destinado a questões sobre coronavírus, uma fragilidade na campanha de Trump, que é mal avaliado pela população pela resposta dada durante a pandemia. Logo na abertura, o presidente chegou a prometer o anúncio de uma vacina nas próximas semanas. "Temos uma vacina que está pronta", disse Trump. Questionado pela moderadora, no entanto, o presidente afirmou que "não é garantido, mas há boa chance". "Acho que em uma questão de semanas", emendou Trump.
Já Biden voltou a acusar o presidente de não ter plano para combater a pandemia e, segurando uma máscara na mão, pediu aos americanos que usem a máscara de proteção. "Eu vou cuidar disso, eu vou acabar com isso, vou assegurar que teremos um plano", disse. O democrata sugeriu que Trump não é confiável quando faz projeções sobre a vacina e repetiu que o presidente é "o mesmo cara que disse que isso acabaria logo".
Ao falar sobre a segunda onda de contágio do vírus, o democrata afirmou que os americanos estão entrando em um "inverno sombrio". "Não vamos ter um inverno sombrio, estamos reabrindo nosso país", rebateu Trump. Os casos de coronavírus nos EUA voltaram a crescer com o início do outono e volta às aulas, após um período de estabilidade durante os meses de verão no Hemisfério Ocidental.
Biden repetiu parte da retórica de tom emocional que teve no primeiro debate ao falar sobre como o vírus atingiu as famílias americanas e acusou o presidente de não assumir a responsabilidade pelo problema. Trump, então, disse que assumia a responsabilidade para, na sequência, colocar a culpa na China. "Eu assumo responsabilidade total. Não é minha culpa que (o vírus) chegou aqui. É culpa da China", disse.
Trump acusou o democrata de querer paralisar o país, ao determinar novamente o fechamento da economia. Questionado pela moderadora se pretendia impor novas quarentenas, Biden disse que é preciso estabelecer padrões para tomar decisão sobre distanciamento nos negócios. "Eu vou paralisar o vírus, não o país", disse.
A retomada econômica é apontada como uma das principais preocupações dos eleitores americanos. Trump pressionou os governadores a autorizarem a reabertura dos negócios em abril, quando os dados de desemprego explodiram no país. O presidente sugere que os democratas colocaram em risco a recuperação. "Ele vai fechar o país se uma única pessoa em nossa enorme burocracia disser para fechar", afirmou Trump. "Os negócios estão morrendo, Joe, você não pode fazer isso com as pessoas", disse Trump, ao afirmar que a economia de Nova York está prejudicada.
O segundo bloco foi destinado a discussões sobre segurança nacional, quando as acusações de Trump sobre a família de Biden surgiram. O republicano tentou colocar o republicano na defensiva, ao explorar acusações com base em supostos e-mails do filho do democrata, Hunter Biden. O caso foi publicado pelo tabloide <i>New York Post</i> e tem sido explorado por canais de mídia conservadora e simpática ao presidente, apesar de a veracidade do conteúdo do material publicado ser questionada. Trump citou uma série de acusações sem provas contra Biden e afirmou, por exemplo, que o democrata recebeu US$ 3,5 milhões da Rússia. "Eles te pagaram e provavelmente ainda estão (pagando)", disse o presidente.
"Eu não recebi um único centavo de nenhuma força estrangeira na minha vida", rebateu Biden, que citou reportagem no jornal <i>The New York Times</i> que revelou que o presidente tem uma conta bancária na China. "O que você está escondendo? As forças estrangeiras estão te pagando muito. A China, a Rússia, e os seus hotéis em todo o mundo. Libere seu imposto de renda e pare de falar sobre corrupção", disse Biden.
Trump disse que liberará suas informações fiscais – algo que não fez nos últimos quatro anos – e que pagou previamente "milhões e milhões de dólares em impostos", sem explicar as revelações feitas pelo jornal <i>The New York Times</i>. "Ele fica dizendo isso por quatro anos. Mostre-nos", disse Biden.
Ao falar sobre o caso contra Biden, Trump repete uma estratégia usada por seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, e cita números, datas e detalhes que são veiculados na mídia conservadora. Trump se preparou para o debate, novamente, com Giuliani. O ex-prefeito de Nova York se tornou nos últimos quatro anos o maior expoente da base radical do "trumpismo" nos EUA, com o papel de articular e defender táticas de ataque à oposição.
Ao se defender, Biden citou as conclusões do processo de impeachment contra Trump no qual os senadores não encontraram evidências de irregularidades relacionadas a ele. "Nada foi antiético", disse Biden. "Disseram que eu fiz meu trabalho de maneira impecável", afirmou o democrata. "Quem entrou em problema na Ucrânia foi esse cara que tentou subornar o país para achar coisas ruins sobre mim", acusou.
Em setembro de 2019, a Câmara abriu e aprovou um processo de impeachment contra Trump pelo fato de o presidente ter condicionado ajuda militar à Ucrânia a investigações sobre os negócios de Hunter Biden. O afastamento do presidente foi rejeitado pelo Senado, de maioria republicana.
<b>É sobre a sua família</b>
Biden tentou puxar o debate de volta ao referendo sobre a gestão de Trump e, olhando para a câmera, disse aos eleitores que discutir a situação deles é "a última coisa que Trump quer fazer". "Não é sobre minha família ou a família dele, é sobre a sua família. E sua família está sofrendo muito", disse Biden, ao olhar para a câmera. Trump acusou o democrata neste momento de tentar desviar do assunto e disse que isso é o "típico político", um rótulo que ele rejeita para si mesmo.
O republicano citou novamente as acusações contra Hunter em outro bloco do debate, quando o tema era a questão racial quando se autoproclamou "pessoa menos racista nesta sala". Biden, que tenta mobilizar o comparecimento recorde de eleitores negros na eleição deste ano, prometeu resolver o racismo estrutural na sociedade.
O segundo debate foi a última chance de os candidatos apelarem aos poucos eleitores ainda indecisos. Menos de 10% dos americanos que vão votar ainda são considerados indecisos. Muitos eleitores já votaram antes do debate. No total, ao menos 46 milhões votaram pelo correio ou de maneira antecipada. A previsão inicial era que o republicano e o democrata tivessem três encontros presenciais, mas o debate agendado para a semana passada foi cancelado depois que Trump foi infectado por covid-19 e se recusou a participar de um evento virtual.