O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, observou nesta sexta-feira, 7, que as condições financeiras ainda estão relativamente frouxas nos Estados Unidos, mostrando que os juros altos não tiveram, até agora, o efeito que se esperava para provocar um aperto.
"Na política monetária, ponto relevante é: se juros globais, especialmente nos EUA, estão tão altos, por que as condições financeiras não estão mais apertadas? O que importa no fim das contas não é o juro nominal, o que importa é o conjunto da obra que são as condições financeiras", disse o presidente do BC brasileiro em evento Monte Bravo Experience, promovido pela Monte Bravo Corretora, em São Paulo.
Campos Neto lembrou que o crédito e a bolsa continuam fortes e avaliou que o balanço dos bancos centrais ficou "muito grande" em algum momento, o que tirou um pouco da percepção dessas instituições sobre o que estava acontecendo na economia naquele momento. "Os mercados estão bem porque os bancos centrais atuaram muito no mercado, e isso tirou um pouco a sensibilidade de preço que o mercado poderia ter dado e poderia ter sido termômetro melhor nessa crise", entendeu.
O presidente do BC ainda voltou a comentar a decisão do Banco Central europeu, que iniciou seu ciclo de corte da taxa de juros ontem, porém acompanhado de uma mensagem para não deixar o mercado "animado" com uma sequência de quedas. "Foi uma queda hawkish", disse.
<b>Consumo das famílias</b>
Campos Neto pontuou que o consumo das famílias vem se mostrando forte na contribuição ao Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano, situação que também tem sido registrada no Brasil e outros países do mundo emergente. Além disso, nas diferenças de projeção de crescimento, há também uma melhora.
"Em termos de atividade, surpresas positivas, que tendem a ir para zero quando pega o agregado. No global, uma diferença grande entre serviços e manufatura, e os crescimento de certa forma muito melhores que o que esperamos dado o efeito de juros que deveria ter acontecido", disse ele.
Ainda sobre os Estados Unidos, o banqueiro central também pontuou que o segmento de serviços, apesar de ter demorado para se recuperar, agora está numa linha acima da tendência, o que denota, na avaliação de Campos Neto, um pouco da dificuldade que os bancos centrais e a comunidade econômica tiveram de entender qual era a dinâmica sobre a atividade resultado do impacto de todos os programas de enfrentamento da covid. "Ainda estamos lidando com os efeitos colaterais disso", disse.
<b>Custo da rolagem da dívida dos EUA</b>
O presidente do Banco Central disse também que o aumento do custo da rolagem de dívida pública norte-americana é "impressionante", com um pagamento de juros líquido fora do padrão, preocupação que recentemente foi externada pelo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell.
Campos Neto observou que o tema da dívida pública global não estava provocando interesse em um passado recente, o que começou a mudar nas últimas reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Em termos de dívida pública global, se somar EUA, Europa e Japão, são dois terços da dívida pública global. Se dois terços da dívida global hoje custam três vezes mais caros, e nesse meio do caminho, aumentei essa dívida em 25% do PIB, por que não está tendo efeito de liquidez? É algo que temos olhado bastante", disse Campos Neto, que chamou a atenção para alguns acontecimentos já percebidos, como a dificuldade maior que países com rating mais baixo estão tendo nas emissões.
<b>Mercado de trabalho dos EUA</b>
O presidente do Banco Central comentou ainda o número "forte" divulgado nesta sexta sobre o emprego nos Estados Unidos, onde a economia gerou 272 mil postos de trabalho em maio, ante previsão de criação de 185 mil empregos no período. Ele pontuou que o resultado está mexendo bastante com o mercado, observando que, após a divulgação, já parece haver precificação de menos de um corte da taxa de juros dos EUA novamente.
Campos Neto citou o indicador ao destacar que, embora existam evidências de desaceleração na parte de manufaturados, isso não seria "tão verdade" no segmento de serviços. "Então fica todo mundo tentando olhar para ver quais indicadores vão dar a pista para se de fato está desacelerando ou não, por isso esse dado de emprego está mexendo. Depois do dado, parece que já tem menos de um corte precificado nos EUA de novo", disse.
Embora o mundo emergente já tenha registrado o mesmo cenário no passado, a inflação de serviços nesses lugares é alta, pontuou Campos Neto, num patamar que não se vê "há muito tempo". O banqueiro central lembrou ainda que esse segmento está muito ligado a mão de obra, que está em um nível apertado em vários lugares do mundo, com ganho real de salário e uma mudança estrutural no comportamento de consumo, que já começa a ser observado no Brasil.
"Quando olha os EUA, na virada do ano, mercado estava animado com corte de juros, e a gente ficava tentando identificar de onde vinha a desinflação futura, me lembro que me reunia com outros banqueiros centrais e sempre tinha diagnóstico, uma lista. No fim das contas o que mostrou é que de fato a desinflação estava mais difícil, mudou precificação dos cortes, balançou todo o mercado todo, Fed fez declarações mais otimistas, teve que voltar atrás um pouco, e isso tem um pouco ditado a dinâmica da liquidez global recentemente", explicou Campos Neto.
<b>Relação com o Brasil</b>
O presidente do Banco Central repetiu também que não há uma "relação mecânica" entre dados da economia norte-americana e a condução da política monetária brasileira. Ele respondia exatamente a uma pergunta sobre os impactos do payroll norte-americano.
"Não tem uma relação mecânica do que acontece no payroll ou nos Estados Unidos com o que acontece no Brasil", disse Campos Neto. "O que é importante de se observar é como isso que acontece nos EUA afeta as variáveis macroeconômicas que servem como variáveis relevantes na tomada de decisão, de acordo com nossa função reação."
Mesmo assim, ele disse que o mundo ainda segue a precificação dos juros norte-americanos. Por isso, qualquer mudança grande nas expectativas do mercado pode ter impactos relevantes, afirmou. "Vários países do mundo, não só o Brasil, vão olhar e pensar o que isso significa para mim? ", explicou Campos Neto.