Estadão

Mortes por policiais crescem na maioria dos Estados

O número total de mortes por decorrência de intervenção policial caiu no Brasil em 2023, redução puxada pela queda em Estados populosos, como o Rio de Janeiro. Mas a taxa de crimes desse tipo teve alta na maioria dos Estados (14), segundo dados divulgados nesta quinta-feira, 18, pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No total, foram 6.393 óbitos desse tipo registrados em 2023, ante 6.455 no ano anterior. Com isso, o índice nacional de ocorrências para cada 100 mil habitantes caiu 1%: foi de 3,2 para 3,1.

Ainda com a redução, os números são considerados expressivos: em média, 17 pessoas são mortas por dia em decorrência de intervenção policial no Brasil.

As menores taxas de mortes por policiais para cada 100 mil habitantes são de Rondônia (0,6) e Minas Gerais (0,7). Já a redução mais expressiva em relação a 2022 foi observada no Amazonas (-40,4), cujo indicador agora é de 1,5.

Por outro lado, as piores taxas são de Amapá (23,6) e Bahia (12), Estados em que, segundo especialistas, o caráter mais violento da polícia se soma à forte atuação do crime organizado para a consolidação de novas rotas – Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) são hoje as principais facções do País.

"Os dois Estados estão hoje no centro do deslocamento da cadeia logística do crime organizado, para distribuir para o Norte e o Nordeste, e têm polícias cuja atuação está gerando resultado-morte muito tumultuado", afirma ao <b>Estadão</b> Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Nos últimos anos, o Amapá já tem liderado as taxas de mortes decorrentes de intervenção policial, e agora, na lógica da economia do crime, vê disputas (do crime organizado) por controle, principalmente do Porto de Santana", acrescenta.

Conforme dados do anuário, Santana (AP) lidera a lista das cidades com mais de 100 mil habitantes com maior taxa de homicídios em 2023. O indicador da cidade chegou a 92,9, alta de 88,2% na comparação com o número do ano anterior (49,4). Ao todo, 27% das mortes violentas registradas no ano passado foram provocadas por policiais.

Como o Estadão mostrou, o Amapá virou um dos caminhos da rota do narcotráfico na Amazônia, o que impulsiona um confronto sangrento entre PCC e CV. A aliança com bandidos locais agrava a guerra das facções, que busca caminhos para escoar cocaína e skunk para o exterior. Os criminosos também reproduzem práticas de milícia.

Nos presídios, onde são recrutados mais membros para as facções, o próprio governo reconhece dificuldades. Em documento no início do ano, o Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, sob a gestão Clécio Luís (Solidariedade), admitiu que "enfrenta questões como sobrecarga de funções em coordenações, infraestrutura inadequada e pontos de tensão entre segurança e ressocialização".

Já a polícia da Bahia é a que tem o maior número de mortes em números absolutos, à frente das forças de segurança do Rio desde o ano passado. Só em setembro de 2023, as operações da PM baiana deixaram mais de 70 mortes. No total, 1.699 pessoas foram mortas por intervenção das polícias Civil e Militar daquele estado no ano passado.

O fracasso da gestão Jerônimo Rodrigues (PT) no combate ao crime motivou uma crise no ano passado para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que acelerou o lançamento de um plano de segurança e um pacote de emergência ao Estado. Rui Costa (PT), antecessor de Rodrigues, é um dos principais ministros da Esplanada hoje (Casa Civil).

Embora a segurança pública seja uma prerrogativa prioritária dos Estados, o governo federal tem sido cada vez mais cobrado no suporte técnico, financeiro e estratégico às gestões locais e especialistas apontam dificuldades do Ministério da Justiça em articular essas políticas.

<b>Mudança</b>

Os dados do Fórum indicam que, como houve quedas mais robustas nos homicídios nos últimos anos, os óbitos por policiais agora ocupam parcela maior do total de mortes violentas intencionais (MVI) – além de óbitos por intervenção policial, esse indicador é composto casos de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio.

"Em 2018, por volta de 8,1% de todas as mortes violentas intencionais eram de mortes pela polícia", destaca Lima. "Em 2022, essa parcela pulou para 13,8%, mostrando que a participação das polícias na explicação da violência é muito grande", acrescenta o sociólogo.

Desde 2013, a alta na letalidade policial foi de 188,9%. Entre as vítimas, quase a totalidade é de homens, oito em cada dez são negros e 71,7% são jovens (até 29 anos).

Logo depois de Santana, compõem a lista das cidades mais violentas os municípios de Camaçari (BA), com taxa de 90,6, e Jequié (BA), com taxa de 84,4. Este último tem também o maior índice de mortes por policiais (46,6) – mais da metade das mortes violentas intencionais ocorridas por lá no último ano foram cometidas por policiais (55,2%).

"Ou seja, se a polícia atuasse com um padrão que não resultasse em tantas mortes, a taxa de Jequié seria cortada mais do que a metade", afirma Lima. No caso de Angra dos Reis, por exemplo, que atualmente é a segunda cidade com a maior taxa de mortes em decorrência de intervenção policial, 63,4% das mortes violentas têm esse perfil.

<b>São Paulo</b>

Apesar de ainda manter uma das menores taxas de mortes em decorrência de intervenção policial (1,1), o Estado de São Paulo teve alta de 19,7% nesse indicador em 2023. Foram registrados 504 casos, ante 421 no ano anterior, em alta relacionada sobretudo a operações da Polícia Militar.

Um dos fatores que explicam a alta foi a Operação Escudo, desencadeada pela polícia no 2º semestre do ano passado na Baixada Santista. A primeira fase da incursão, uma das maiores da história da PM de São Paulo, resultou na morte de ao menos 28 pessoas. A ação foi alvo de denúncias de excesso policial. O governo estadual tem negado abusos e diz investigar as ocorrências.

No fim do ano passado, dois agentes da Rota, a tropa de elite da PM paulista, viraram réus sob acusação da Promotoria de forjar um confronto em uma comunidade no Guarujá.

Na gestão da segurança, o governo paulista tem sido cobrado também em relação à manutenção do programa de câmeras nos uniformes dos policiais. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a questionar a eficácia dos equipamentos no início do ano, mas depois mudou o tom e no mês passado disse ao Supremo Tribunal Federal (STF) que está "comprometido" com essa política.

<b>Suicídios</b>

O anuário destaca ainda que houve aumento no número suicídios de policiais da ativa: foram 118 casos no ano passado, ante 99 no ano anterior. A taxa, em meio a isso, subiu 26,2%: foi de 0,2 para 0,3 (para cada 100 mil habitantes).

Entre os Estados que informaram dados, São Paulo é o quarto que teve a maior alta (80%), atrás apenas de Amazonas (300%), Mato Grosso (150%) e Rio de Janeiro (116,7%).

São Paulo teve 31 casos de suicídios de policiais em 2023, ante 22 no ano anterior. Conforme reportagem do site Ponte Jornalismo, trata-se do maior número de toda a série histórica, que compreende 11 anos.

As causas podem ser multifatoriais, mas o número expressivo requer, no mínimo, um olhar apurado sobre a questão, aponta Renato Sérgio de Lima. "A gente tem valorizado pouco os profissionais da segurança pública, na medida em que a gente tem exigido alguma cada vez mais que eles resolvam o problema sem necessariamente dar as condições de trabalho adequadas", afirma o pesquisador.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia afirmou serem "constantes os investimentos em tecnologia, inteligência, equipamentos, capacitação e reforço dos efetivos, com o objetivo de combater as organizações criminosas". "As forças de segurança atuam com rigor, dentro da legalidade e com firmeza contra grupos criminosos envolvidos com tráficos de drogas e armas, homicídios, roubos e corrupção de menores", disse.

Conforme a pasta, o Estado apresenta redução de 13% nas mortes violentas no primeiro semestre de 2024. "Os meses de maio e junho deste ano foram os que tiveram menos mortes violentas desde a série histórica, iniciada em 2012", disse. "Já nos últimos 18 meses, as ações de inteligência e repressão qualificada resultaram nas prisões de 27 mil criminosos, na localização de 88 líderes de facções, e nas apreensões de 9 mil armas de fogo, entre elas 95 fuzis."

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