Intimado pelo ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), a cumprir a liminar expedida por ele que liberou celebrações religiosas presenciais no momento mais letal da pandemia, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), acionou o tribunal para tentar derrubar a decisão monocrática.
O pedido de suspensão foi enviado ao presidente da Corte, Luiz Fux, neste domingo, 4, pela procuradoria-geral do município, que vê na decisão potencial de "grave dano à ordem e à saúde públicas".
"A crise sanitária é enorme e os sistemas locais de saúde estão operando acima do limite de capacidade de atendimento dos casos graves. Estados e Municípios estabeleceram restrições às atividades religiosas presenciais à luz das peculiaridades do avanço da pandemia em cada local bem como tendo em conta a capacidade real de oferecer atendimento médico adequado aos indivíduos em cada uma dessas localidades", argumenta a prefeitura.
O documento diz ainda que a liminar de Nunes Marques causa insegurança jurídica por conflitar com o entendimento fixado no plenário do tribunal, que deu autonomia a governadores e prefeitos para definirem medidas de isolamento social. O pedido é para suspender os efeitos da decisão e levar a matéria para análise colegiada. Segundo o Estadão apurou, é pouco provável que Fux derrube sozinho a decisão de Nunes Marques.
"A decisão monocrática cujos efeitos se pretende sejam suspensos também causa tumulto à ordem pública, em seu sentido jurídico, porque afronta o Plenário do Supremo Tribunal Federal ao impedir que os entes federados de adotar as medidas para enfrentamento à Pandemia e porque decide sem nenhum embasamento técnico, mesmo havendo consenso científico do elevado risco de contaminação em igrejas", afirma a gestão Kalil.
O prefeito de Belo Horizonte foi intimado por Nunes Marques depois de usar o Twitter para dizer que não seguiria sua decisão. O ministro ainda indicou que Kalil deverá esclarecer, em 24 horas, as providências tomadas para obedecer a ordem, sob pena de responsabilização, inclusive no âmbito criminal. Na capital mineira, igrejas católicas amanheceram com funcionamento restrito no Domingo de Páscoa e sem previsão de celebração de missas com a presença física de fiéis.
Mais cedo, o presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Jonas Donizette, também pediu que Fux se manifeste com urgência sobre a decisão monocrática do colega de Corte. O ex-prefeito de Campinas disse que decisões judiciais precisam ser cumpridas, mas que a liminar de Nunes Marques está em "flagrante contradição" com o posicionamento do tribunal – o que, em sua avaliação, "atrapalha" o enfrentamento ao coronavírus.
<b>Celebrações liberadas</b>
Nunes Marques autorizou as celebrações religiosas em todo o País, desde que sejam adotados protocolos sanitários em igrejas e templos, limitando a presença em cultos e missas a 25% da capacidade do público. A decisão do ministro foi tomada em ação movida pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).
"Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual", escreveu o ministro, que lembrou a importância das celebrações da Páscoa para os cristãos.
Em uma decisão de 16 páginas, o magistrado ainda apontou que diversas atividades essenciais continuam liberadas durante a pandemia. "É importante reconhecer que o transporte coletivo tem sido considerado essencial, a exemplo de mercados e farmácias ? que, de fato, o são. Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas", observou.
A decisão do ministro está alinhada aos interesses do governo federal, que está em guerra com governadores e prefeitos de todo o País contra toque de recolher, lockdown e outras medidas de distanciamento social.
<b>Críticas</b>
Na prática, Nunes Marques se antecipou ao colega Gilmar Mendes, relator de outra ação sobre o mesmo tema, apresentada pelo PSD para contestar o decreto do governo de São Paulo que vetou atividades religiosas coletivas presenciais durante as fases mais restritivas do plano de combate ao coronavírus. Gilmar, no entanto, havia indicado que não tomaria uma decisão antes da Páscoa, apesar das manifestações em regime de urgência enviadas pela Procuradoria Geral da República e pela Advocacia Geral da União.
Ao <b>Estadão</b>, o decano Marco Aurélio Mello criticou a liminar de Nunes Marques. "Pobre Judiciário", disse o ministro. "O novato, pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. E atendeu a Associação de juristas evangélicos. Parte legítima para a ADPF (tipo de processo que discute cumprimento à Constituição)? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!", prosseguiu.