A indústria brasileira enfrenta hoje dois grandes entraves para o seu desenvolvimento: juros altos e falta de uma política específica para o setor, com crédito mais barato, aos moldes do Plano Safra, que é voltado para a agricultura. No período (2024/2025), serão destinados R$ 400 bilhões para o setor.
É o que disseram ontem o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes, e o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi, durante a abertura do Fórum Estadão Think – A Indústria no Brasil Hoje e Amanhã, na sede da Fiesp, uma realização do <b>Estadão</b>, com apoio da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI.
Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, no Brasil "viver de renda se tornou um grande negócio", e produzir, uma péssima iniciativa. Segundo ele, o Plano Real, que acabou com o flagelo da hiperinflação, impôs uma taxa de juro real alta que deveria ser transitória, mas se tornou permanente.
"Ao longo dos últimos 30 anos, se nós tivéssemos aplicado R$ 100 em CDI, títulos públicos sem qualquer spread bancário (a diferença entre os juros que os bancos pagam e cobram), teríamos hoje R$ 8.043. Enquanto um bem ou serviço que custava R$ 100 há 30 anos, hoje, se corrigido pelo IPCA, custaria R$ 808. Ou seja, a taxa de juro real nestes 30 anos é dez vezes maior do que a taxa de inflação", disse Josué.
"Mesmo se levarmos em consideração os últimos 25 anos desde a criação do tripé macroeconômico colocado em prática pelo Armínio Fraga, nós vamos ver que a taxa de juro, em média, foi de 12,4% contra uma taxa de inflação de 6,5%", disse o presidente da Fiesp.
Ele questionou como um setor intensivo em capital pode ter os recursos necessários para manter a sua produtividade e continuar competitivo, se não consegue tomar recursos de terceiros. "Como manter a competitividade em um contexto como este?", indagou Josué. O presidente da Fiesp disse ainda que é preciso "aplaudir o desempenho do agro brasileiro", mas é necessário lembrar que desde 2003 o setor conta com o Plano Safra, que oferece crédito subsidiado.
Segundo Josué, é a indústria quem cria tecnologia e, a seu ver, os polos de inovação têm de estar próximos dos centros de produção, da indústria. "Os Estados Unidos estão cientes que exportaram sua indústria."
"Dentro deste extremo liberalismo, era preciso ser eficiente. E buscar a eficiência significava buscar os países de menor custo de produção, especialmente em função do custo de trabalho mais baixo e das regulações ambientais mais flexíveis. Agora, eles estão se dando conta de que perderam, inclusive, sua classe média", disse o presidente da Fiesp, acrescentando esperar que o Brasil se dê conta da importância da indústria de transformação e passe a fazer o mesmo.
<b>Oportunidade</b>
De acordo com Rafael Lucchesi, o crescimento exponencial da economia brasileira, tendo a indústria como base entre as duas grandes guerras mundiais no século passado, dá uma pista da janela de oportunidades que o Brasil tem hoje. "O Brasil cresceu na crise de hegemonia no século passado. Durante cinco décadas foi um dos países que mais cresceram no mundo", disse. "O momento atual é semelhante, apesar de condições fiscais não tão favoráveis."
Lucchesi afirmou que existem três processos em curso atualmente. A nova revolução industrial baseada em big data, na internet das coisas e na inteligência artificial; os extremos climáticos, que fazem acelerar a necessidade da transição energética; e a nova geopolítica, que mostra descolamento entre o Ocidente e o Oriente, assim como ocorreu no século passado, entre os anos 1920 e 1980.
"Precisamos fazer mais do que discutirmos a questão fiscal. Temos de ter estratégia, uma missão. A reindustrialização precisa vir de uma política de Estado", disse Lucchesi. Se de um lado a janela de oportunidades que o setor industrial brasileiro tem é estreita, de outro, precisa haver mais ambição, defende o representante da CNI.
O Brasil é o país que mais retrocedeu em termos de competitividade, disse, por causa da ausência de políticas industriais ativas, ao contrário do que ocorre com os países mais ricos, que despejam atualmente quase US$ 13 trilhões nesse tipo de política. "O rentismo sem produção também vai condenar o futuro no Brasil", segundo Lucchesi.
Se, do ponto de vista estratégico, o setor industrial precisa de um Plano Safra, a questão tributária ainda gera apreensão, na visão de Rafael Cervone, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Entre outros pontos, porque a lista extensa de benefícios tende a gerar distorções nos ganhos da reforma tributária em curso no Congresso.
"A alíquota média tende a ficar em 26%, mas, sem os chamados puxadinhos, poderia ficar em 20%. É preciso que isso seja analisado com urgência pelo Congresso Nacional", disse Cervone. Segundo ele, é ainda necessário dar andamento à "dormente" reforma administrativa, "igualmente fundamental".
Além das questões fiscal e tributária, outras áreas precisam ser atacadas para que a indústria brasileira volte a ter uma curva ascendente, segundo Carlos Erane de Aguiar, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Para ele, a falta de segurança pública é outro gargalo que gera bilhões de reais em prejuízo. Desde a questão da ida e vinda ao trabalho por parte do trabalhador, passando pela perda de patrimônio em si até questões envolvendo roubo de energia, de água e de crimes eletrônicos, como fraudes.
"Atividades ilegais cibernéticas como roubo de propriedade intelectual têm um impacto devastador para toda a sociedade", disse. "Toda a insegurança na indústria precisa ser tratada como uma abordagem integrada."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>