Os venezuelanos decidem neste domingo, 28, nas urnas a eleição mais importante dos últimos 25 anos. Pela primeira vez, a oposição é a favorita para vencer, embora haja dúvidas se a ditadura de Nicolás Maduro respeitará os resultados. As principais pesquisas indicam vitória de Edmundo González Urrutia, apoiado pela líder antichavista María Corina Machado, que foi impedida de concorrer.
González Urrutia, da Plataforma Unitária Democrática (PUD), receberia mais de 50% dos votos. Enquanto Maduro teria cerca de 20%, valor próximo às estimativas de aprovação do governo. No entanto, institutos criados recentemente pelo chavismo apontam um resultado inverso.
Ao longo do ano, o regime impôs novas regras e modificou outras para dificultar a vida da oposição. O caso mais emblemático foi a inabilitação de Corina Machado, que havia ganhado as primárias com mais de 90% dos votos.
"Existe uma estrutura jurídica e política que será manipulada para impedir que as pessoas participem das eleições, seja mudando as seções eleitorais, impedindo as pessoas de votar, manipulando observadores eleitorais. Tudo isso é familiar ao chavismo. Mas, desta vez, é uma luta existencial para eles", afirma María Isabel Puerta Riera, cientista política do Valencia College, da Flórida.
UNIÃO. A oposição vai para disputa unida pela primeira vez em 11 anos. O momento em que ela esteve mais perto de vencer o chavismo foi em 2013, logo após a morte de Hugo Chávez. Maduro, então vice-presidente, venceu apertado Henrique Capriles, por 50% a 49%.
Em 2018, a estratégia da oposição de boicotar a votação foi um desastre e resultou na reeleição de Maduro por ampla margem. Agora, os opositores fecharam questão com qualquer candidatura que fosse capaz de derrotar o chavismo.
Na reta final, a dissidência precisa garantir um alto comparecimento. "Um aspecto importante é o medo, sobretudo daqueles que dependem do governo, seja para trabalhar, para comer ou para serviços. O medo de perder a casa ou bens materiais tem impacto especialmente nos setores mais vulneráveis."
<b>RESTRIÇÕES</b>
Segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven, cerca de 25% dos eleitores foram excluídos do processo. Isso porque houve mudança nas regras e milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiram se registrar.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou que mais de 21 milhões de pessoas estão habilitadas para votar. O número, segundo as organizações, indica que 5 milhões ficaram de fora. "Não pode haver eleições autênticas ou livres sem um quarto da população", dizem as entidades.
Também há denúncias de mudanças arbitrárias de locais de votação, sem a devida comunicação, ou para locais muito distantes. Outro obstáculo, segundo a oposição, é a inscrição de mesários.
"A seleção dos membros das seções eleitorais não foi informada adequadamente", afirmou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano, Carlos Medina. "Na Venezuela, os cidadãos são selecionados aleatoriamente para compor as mesas. Mas muitos não foram informados e não comparecerão."
Sem mesários, não há como realizar eleições em determinada seção. O temor é que estas ausências ocorram justamente em zonas que favoreçam a oposição. "Não dá para excluir irregularidades. O processo em alguns lugares talvez seja mais lento do que o normal", disse o cientista político Xavier Rodríguez-Franco. "É exatamente isso que o chavismo quer fazer, que poucas pessoas votem, que os mesários não estejam presentes, além de manipular os resultados das urnas."
Puerta Riera também acredita que o regime não precisa usar mecanismos para impedir que as pessoas votem. "Basta reduzir o número de votos em algumas seções eleitorais e impedir que as pessoas votem mudando as seções de lugar ou manipulando os registros. Eles não precisam fazer isso em todos os lugares, mas apenas em locais importantes. A fraude não é mudar o voto, é deteriorar as condições para que a eleição não seja livre."
<b>ACORDO</b>
A realização das eleições foi acertada entre Maduro e a oposição nos chamados Acordos de Barbados, que tiveram mediação do Brasil. Em troca de um processo justo, o chavismo teria o levantamento de algumas sanções dos EUA e da União Europeia.
O acordo, porém, começou a ruir em janeiro, quando o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a inabilitação de Corina Machado, proibida de ocupar cargos públicos por 15 anos. A decisão resultou na volta das sanções.
Durante meses, a oposição entrou em um impasse sobre quem deveria substituir Corina Machado, já que ninguém atraía tanto apelo. Ela chegou a considerar desafiar a ordem judicial e se colocar na disputa, mas o risco de minar as chances da oposição era muito grande – uma guerra pela vaga era justamente o que Maduro queria.
Na reta final, a oposição entrou em consenso pelo nome de Corina Yoris. Professora e filósofa, homônima de Maria Corina, parecia a candidata ideal. A manobra, no entanto, fracassou, porque Yoris foi barrada no último dia de inscrição sem que houvesse uma justificativa. O único nome aceito pelo sistema do CNE foi o de González Urrutia.
Diplomata de carreira aposentado, ele é visto por muitos como um negociador habilidoso, capaz de conduzir, em caso de vitória da oposição, as conversas para uma transição de governo. Com o respaldo de Maria Corina, o embaixador utilizou as poucas semanas que teve para percorrer o país em campanha.
Outra ferramenta do chavismo para evitar uma derrota foram as constantes mudanças de regras no meio do processo. Organizações nacionais e internacionais criticaram o CNE, que passou a exigir documentos adicionais para registrar novos eleitores, além de dificultar os registros dos quase 8 milhões de venezuelanos que vivem no exterior.
<b>ARTIMANHAS</b>
O último movimento foi dificultar o credenciamento de testemunhas eleitorais, figura semelhante ao fiscal de urna dos partidos no Brasil. Considerados essenciais para a oposição garantir a lisura do processo, o CNE passou a colocar travas aos nomes de 90 mil voluntários enviados pela oposição.
"A estratégia é usar o CNE para impedir a votação maciça do povo venezuelano, para tentar ganhar as eleições de forma fraudulenta. Mesmo que os votos no final do processo sejam contados corretamente, a eleição acontece em um contexto de fraude", afirma o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>