Se aceitar o comando da Secretaria Especial de Cultura do governo Jair Bolsonaro, a atriz Regina Duarte enfrentará orçamentos reduzidos e um cenário que beira o colapso em alguns dos órgãos que ficarão sob o seu guarda-chuva. Uma radiografia na pasta feita por atuais e ex-integrantes da secretaria aponta que uma das piores situações está na Agência Nacional do Cinema (Ancine). Estudo interno da agência, obtido pelo jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>, afirma que as unidades de fomento estão operando "em estado crítico".
No documento, enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU), o órgão argumenta que teria de contratar mais 184 servidores e reduzir drasticamente os recursos liberados, distribuindo 10% do fomento indireto (via Lei Rouanet e outros incentivos fiscais) e 20% do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) em relação ao patamar atual. Essas medidas seriam necessárias para equilibrar em quatro anos a avaliação de novos processos de financiamento que chegam à Ancine e vencer uma fila superior a 4 mil análises de obras que já receberam recursos. O documento é de meados de 2019, mas, segundo a reportagem apurou, o cenário pouco se alterou desde aquela época.
A dificuldade operacional da Ancine ainda faz com que o número de deliberações de processo por ano caia, mas a fila de análises pendentes cresça. Em 2017, havia 1.816 casos a serem analisados – e apenas 232 concluídos. Já em 2019, a fila subiu para 4.164, mas apenas 23 processos foram conferidos pelos servidores. Na cúpula do órgão, metade das quatro cadeiras de diretores está ocupada, sendo que um dos nomes é substituto. O presidente da agência, Alex Braga Muniz, também ocupa o cargo interinamente desde que Christian de Castro Oliveira foi afastado pela Justiça.
Para Henrique Pires, o primeiro secretário de Cultura no governo Bolsonaro, uma das primeiras medidas do novo chefe da pasta deve ser reestruturar a agência.
"A estrutura da cultura, quando funciona, tem impacto econômico muito grande. Se trava, as pessoas não têm atividade econômica. É preciso calibrar a máquina", afirmou ex-secretário.
<b>Orçamento</b>
Os recursos reservados para a área de Cultura no Orçamento deste ano também foram reduzidos. Serão R$ 320 milhões ao todo. Para fins de comparação, no Orçamento de 2019, elaborado quando a Cultura ainda tinha status de ministério na estrutura do governo, o valor destinado foi de R$ 2 bilhões.
Apesar do aperto, a pasta trabalha para a liberação de R$ 438 milhões do Fundo Nacional da Cultura que estão contingenciados. A ideia é que os valores sejam usados para conseguir empréstimos com bancos, mas ainda exige que "seja criado um regramento e definido um ou mais agentes financeiros", afirma a Secretaria Especial de Cultura.
Alguns órgãos, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), dependerão exclusivamente de emendas parlamentares para investimentos. O orçamento do órgão é 67% menor em 2020, de R$ 73 milhões, voltados para ações de preservação do patrimônio e obras, mas nada previsto para investimento.
O jornal <b>O Estado de S. Paulo</b> apurou que a cúpula do instituto ainda está mapeando o que terá de ser revisto com orçamento mais baixo, mas já sabe que terá de interromper boa parte das cerca de 100 obras em andamento pelo País em prédios históricos e sítios arqueológicos. Bolsonaro já indicou também que pode esvaziar as funções do Iphan pelo poder do órgão de embargar obras.
Na Fundação Cultural Palmares, a principal indefinição é sobre a escolha de novo presidente. Alvim tentou emplacar no cargo o jornalista Sérgio Camargo, mas a Justiça suspendeu a sua nomeação. Ele foi alvo de críticas ao afirmar, por exemplo, que existe um "racismo nutella" no Brasil e que não daria suporte ao Dia da Consciência Negra.
Outra situação delicada está na Fundação Casa de Rui Barbosa. Pesquisadores têm protestado por exonerações e dispensas anunciadas pela presidente do órgão, a jornalista e roteirista de TV Letícia Dornelles. Ela nega o "desmonte do setor de pesquisa" e diz ainda que "quem espalha esse tipo de futrica só quer tumultuar". Além da disputa de poder, a sede da fundação tem problemas estruturais com dutos de água e esgoto que podem estourar – o órgão chegou a entrar na Justiça para pedir o conserto.
Na Fundação Biblioteca Nacional, o acervo enfrenta a falta de investimentos de atualização e preservação. A fundação é presidida por Rafael Nogueira, escolhido por Alvim, olavista e simpatizante da monarquia. Recentemente, a casa passou por uma reforma orçada em R$ 10 milhões, valor inferior ao de muitos livros guardados em suas estantes de aço e jacarandá.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>