A vida amorosa de Paulo, protagonista de Todas As Mulheres do Mundo, não é como um poema de Carlos Drummond de Andrade ou uma música de Chico Buarque que fala de amores não correspondidos. "João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria…", escreveu Drummond em Quadrilha. No caso de Paulo, ele ama todas: Adriana, Elisa, Martinha, Natália… Uma de cada vez. E esse sentimento é correspondido por elas. Mesmo que por um curto – e intenso – espaço de tempo, porque seu grande amor é Maria Alice. Todas As Mulheres do Mundo, série original do Globoplay que estreia na terça, 2, na <i>Globo</i>, é inspirada não só no filme homônimo de Domingos Oliveira, de 1966, mas se expande pela obra do célebre autor, diretor e dramaturgo, que morreu em 2019, aos 82 anos. Há personagens retirados diretamente das histórias do dramaturgo, e alguns outros criados a partir de seu universo.
No filme, Paulo e Maria Alice eram interpretados por Paulo José e Leila Diniz. Na série, por Emilio Dantas e Sophie Charlotte. Já Paulo, o personagem, por sua vez, é o alter ego do próprio Domingos. "Primeiro, Domingos foi um grande ídolo, depois virou um grande amigo, e ele era um autor que tem um universo muito particular. É daqueles artistas que colocam a própria vida na sua obra integralmente. Não são todos que fazem isso", analisa o autor Jorge Furtado, que escreveu os 12 episódios da série com Janaína Fischer. "Muita gente dizia que o Domingos era o Woody Allen brasileiro, eu achava que o Woody Allen que era o Domingos nova-iorquino." Cabral (Matheus Nachtergaele), um dos melhores amigos de Paulo – assim como Laura (Martha Nowill) -, também é uma versão de Domingos, mais velho. "O Paulo é o Domingos jovem e o Cabral é o Domingos sábio, filósofo", compara Furtado.
E enquanto Cabral tem uma visão mais pragmática, desiludida até, dos relacionamentos, Paulo segue se apaixonando à primeira vista. Foi assim com sua musa, a bailarina Maria Alice, por quem ele se encanta assim que a vê chegando à festa de Natal em sua casa, acompanhada pelo noivo, Leopoldo (Ricardo Gelli). É um amor arrebatador. Os dois compartilham seu dia a dia intensamente, mas acabam se separando. "O Paulo se apaixona por muitas mulheres, porque ele tem esse desejo. Lembro muito do Domingos falando: casei muitas vezes; se eu pudesse, casaria em dobro. É essa coisa do convívio. A partir do momento que você respeita, admira, consegue equilibrar o olhar, nasce uma nova forma de se conectar", diz Emilio. "Paulo e Maria Alice estavam construindo um amor ali, o que não fez com que ele perdesse essa vontade de se apaixonar. Acho que, de certa forma, ele também foi notando ao longo do tempo que esse jogo trazia a ele sempre a resposta de que a Maria Alice está em primeiro."
Para mergulhar no Paulo da série, Emilio quis se encontrar antes com o Paulo do cinema. Ou melhor, com quem deu vida a ele: o ator Paulo José. "Acho que, da forma mais inteligente possível, fui atrás do Paulo José, porque realmente eu não tinha um parâmetro melhor para partida do que ele", conta o ator. "E o que eu vi no Paulo foi isso: um cara que simplesmente se entregou. Ele, no final, virou para mim e falou: se divirta, seja o melhor que você puder ali. De certa forma, era o que eu já tinha na minha cabeça em relação ao que eu acho que o Domingos me cobraria."
Domingos Oliveira só acompanhou o início dos trabalhos, lembra Jorge Furtado, mas já estava doente e, logo depois, morreu. "Ele ia gostar de ver todos os fantasmas dele dançando na mesma valsa", diz Furtado. Ele e Janaína Fischer optaram por situar a série nos dias atuais. "Penso que o mundo hoje é muito mais careta do que era antigamente. Então, quando decidimos adaptar, como é que vamos adaptar isso agora? Eu e a Janaína ficamos pensando. Vamos fazer isso nos anos 70? Porque a história do (filme) Todas as Mulheres era nos anos 60. Era um amor muito mais livre. Depois, existe um mundo pós-aids, pós-anos 90, e atualmente uma caretice cada vez mais crescente. E o Domingos fica muito moderno. Então, resolvemos que seria a mesma história, só que é hoje. É um povo muito liberado mentalmente, umas cabeças muito boas, não tem a coisa do ciúmes, os casamentos muito mais abertos, a relação muito mais viva, e romântica ao mesmo tempo. O Domingos era um superromântico. Então, é um romantismo livre", diz Furtado.
Todas As Mulheres do Mundo tem direção artística de Patricia Pedrosa, com quem Emilio Dantas e Jorge Furtado trabalharam novamente depois em Amor e Sorte, que foi ao ar em setembro. Série da quarentena, Amor e Sorte, disponível no Globoplay, foi criada por Furtado e traz quatro episódios independentes, cada qual protagonizado por duplas que estão em isolamento juntas.
O episódio Territórios é estrelado por Emilio e Fabiula Nascimento, que são um casal na vida real e gravaram todas as cenas na casa deles, com equipamento especial enviado pela <i>Globo</i> e manejado pela dupla, sob orientação de uma equipe a distância. O mesmo aconteceu com as outras duplas de atores. Emilio e Fabiula interpretam Francisco e Clara, um casal que está em crise, mas que se vê obrigado a continuar junto por causa do isolamento imposto pela pandemia. "Essa série também era uma coisa de resistência artística, de nós não vamos parar, porque nossa forma de atividade, o audiovisual, talvez seja a mais coletiva de todas. Não existe como não fazer com uma turma. A gente se aglomera muito", afirma Furtado. O projeto, no entanto, mostrou que era possível se adaptar a estes tempos.
Emilio lembra que Todas As Mulheres do Mundo estreou no Globoplay no início da pandemia, em abril, e logo depois eles começaram a falar sobre Amor e Sorte. "Parece que foi um bloco só", diz o ator. "Foi muito divertido e muito enriquecedor. Eu e Fabiula, a gente fala que a nossa relação ganhou muito com o que a gente fez."
Todas As Mulheres do Mundo vai ao ar às terças, depois do BBB 21. E antes do reality, Emilio pode ser visto vivendo outro personagem, completamente diferente de Paulo, em A Força do Querer. Na novela de Gloria Perez, que foi exibida em 2017 e está sendo reprisada no horário nobre, o ator é o traficante Rubinho. "Dei algumas sortes: primeiro que a novela não é assim tão antiga, e alguns temas estão ainda mais atuais do que quando aconteceram", afirma o ator. "São dois trabalhos muito distintos. Se tem uma coisa que eu gosto de me empenhar na minha carreira para que aconteça é isso: é trazer diversidade de linhas de pensamento, de comportamento."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>