Quando era responsável pela gestão financeira da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE-AL), em 2006, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), que concorre à presidência da Câmara dos Deputados nesta segunda-feira, 1º, ordenou o pagamento de R$ 43 mil dos cofres públicos para a compra de um carro para a filha de um colega de legislativo alagoano. O Estadão teve acesso ao documento que mostra a autorização dada por Lira, na época primeiro-secretário da Assembleia. A despesa foi julgada ilegal pela Justiça alagoana, que condenou ele e mais quatro pessoas por improbidade administrativa, da qual o deputado recorre desde 2016.
A nota de empenho com o nome de Arthur Cesar Pereira de Lira, para a concessionária Nagoya Veículos Importados LTDA, é datada de 31 de março de 2006 e registra que não houve licitação para a realização do pagamento. Também é dito que o valor é referente a uma "contribuição parlamentar". O então deputado estadual aparece no documento como "ordenador da despesa". Quatro dias depois, o extrato da conta bancária da Nagoya Veículos exibiu o recebimento de R$ 42.988,00.
A concessionária informou à PF que a TED recebida naquela data se referia à compra de uma caminhonete L200 Sport HPE em nome de Jully Beltrão Lima, filha do deputado estadual João Beltrão, realizada em 31 de março de 2006 – mesmo dia da emissão do documento da Assembleia. O extrato da concessionária e a nota fiscal da venda do carro também foram obtidos pela reportagem. O valor final foi de R$ 103 mil, mas houve o complemento do pagamento por outras fontes.
Esses documentos foram utilizados em ação de improbidade apresentada pelo Ministério Público do Estado de Alagoas e que resultou na condenação do atual líder do Centrão na Câmara, além de outros dois integrantes da mesa diretora da assembleia alagoana, do diretor financeiro da casa e de João Beltrão. Eles foram enquadrados nos artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa.
Enquanto ainda recorre da condenação, Lira é um líderes da Câmara que articulam o enfraquecimento da Lei de Improbidade, em um movimento apoiado pelo Centrão, pela esquerda e pelo líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR), sob o pretexto de "atualizar" a legislação, que seria muito dura com gestores públicos. Um substitutivo de autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) esteve perto de ser colocado para votação no fim do ano passado. Um dos pontos considerados graves por integrantes de órgão de investigação é o que acaba com a punição por violação aos princípios da administração pública, previsto no art. 11, um dos que levaram à condenação de Lira.
"A ordem de pagamento da mesa diretora resultou no empenho, o qual, por sua vez, foi liquidado com o TED de R$ 42.988,00 realizado no dia 04.04.06 para a Empresa Nagoya e o pagamento da taxa do TED no valor de R$ 12,00", escreveram juízes de direito que assinaram em conjunto a sentença.
Os magistrados registram que o deputado não rechaçou autorizar o pagamento para a compra do veículo. "Consta o nome do réu Arthur César Pereira de Lira como ordenador da despesa. Por outro lado, a aquisição da ordem de pagamento resultou no empenho e transferência de recursos públicos para aquisição de veículo automotor sem previsão legal e com a ausência de procedimento licitatório", assinalaram.
A sentença ainda aponta que a empresa Nagoya informou a ausência de qualquer convênio ou contrato com a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas. "Demonstrada, portanto, a prática de ato de improbidade administrativa que violou princípios da administração pública e dano ao erário", escreveram os juízes.
A condenação a Lira, em 2012, foi à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, ao ressarcimento ao erário solidariamente com o beneficiário do desvio e ao pagamento de multa civil de R$ 43 mil. A apelação do deputado contra a sentença ainda não foi julgada até hoje.
<b>Ação é desdobramento de operação que apontou rachadinha na Assembleia Legislativa</b>
Essa é apenas uma das facetas do escândalo das "rachadinhas" no Legislativo alagoano, que até hoje é uma chaga na carreira do político. O esquema de desvio de verbas na Assembleia foi alvo da operação Taturana , da Polícia Federal em Alagoas, no ano de 2007, e resultou em mais ações de improbidade e também uma ação penal contra o deputado.
Em uma das ações de improbidade decorrentes do caso, Lira foi condenado em segunda instância em 2016. Como foi apontado, no caso, prejuízo aos cofres públicos, a sentença do Tribunal de Justiça de Alagoas deixou Lira em condição de inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa, mas uma liminar do vice-presidente do TJ, Celyrio Adamastor, o liberou a concorrer. O caso ficou paralisado por dois anos após essa decisão e só chegou ao Superior Tribunal de Justiça no fim de dezembro, depois de reportagem do <b>Estadão</b> mostrar que o processo estava emperrado.
Em uma terceira ação de improbidade na Justiça alagoana, Lira é alvo por outro pagamento feito pela Assembleia Legislativa para compra de carros. O deputado foi intimado a prestar depoimento como réu nesta quarta-feira, 3, na Justiça alagoana.
O <b>Estadão</b> apurou que o depoimento de Lira será prestado na investigação sobre a compra de um veículo Pajero Full, no valor de R$ 150 mil, pelo deputado estadual Antonio Albuquerque (PTB-AL). O carro teria sido pago pela Assembleia alagoana. Lira é investigado no caso por ter ocupado o cargo de primeiro-secretário da Assembleia na época dos fatos investigados, sob a acusação de liberar o empenho irregular de verbas públicas. Por decisão judicial, o depoimento de Lira vai ser prestado "através de plataforma virtual". O caso tramita em segredo de Justiça na 17ª Vara Cível de Maceió. Essa ação não se confunde com a que trata do pagamento de R$ 43 mil para a caminhonete L200.
Na ação penal em que é réu, Lira foi absolvido sumariamente, em dezembro, por um juiz de Alagoas. O juiz Carlos Henrique Pita Duarte considerou ilegais as provas obtidas na investigação criminal, por entender que os crimes sob apuração eram de competência da justiça estadual, e não federal. O Ministério Público estadual recorreu. Ainda não houve a análise sobre o recurso.
Segundo a denúncia criminal, apresentada pela Procuradoria-Geral da República em 2018, e enviada para a primeira instância por ser um caso anterior ao mandato na Câmara segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, descreveu Arthur Lira como um dos líderes de um esquema milionário de "rachadinha" quando integrou a Assembleia de Alagoas. Documentos sigilosos indicaram desvio de R$ 254 milhões dos cofres públicos, entre 2001 e 2007, como mostrou o Estadão. Lira movimentou R$ 9,5 milhões em sua conta. A acusação aponta provas do uso de intermediários para saques de cheques na boca do caixa em nome de terceiros, o uso de verbas da Assembleia para pagamento de empréstimos pessoais, além da quitação de despesas privadas com verba pública.
O <b>Estadão</b> pediu a Lira se manifestasse sobre o documento que contém o nome dele autorizador de despesa de R$ 43 mil. A assessoria de imprensa do deputado enviou uma nota.
"O deputado Arthur Lira lamenta que o jornal insista em utilizar documentos declarados irregulares e ilegais pela Justiça de Alagoas. Segundo a decisão judicial, mesmo sendo advertidos por escrito pelo STF e Receita Federal, os investigadores mantiveram vício na apuração de suposta irregularidade na Assembleia de Alagoas. A Justiça de Alagoas anulou o processo e absolveu sumariamente Arthur Lira. Nesse foro, onde, de fato, foi processada a Operação Taturana também não há nenhuma acusação vigente contra o deputado", disse a assessoria de Arthur Lira.
Apesar do alegado pelo deputado, a decisão do juiz estadual de primeira instância de Alagoas na ação penal não leva à anulação das ações civis de improbidade administrativa. Essa é uma decisão que só outro magistrado poderia tomar.
O então deputado estadual João Beltrão morreu em 2019. A reportagem não conseguiu contato com a filha dele até publicação desta matéria.