Ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil e atualmente professor de Finanças na Herbert Business School of Miami University, o economista Paulo Leme afirma que existe hoje uma crise de liderança no mundo, principalmente nos Estados Unidos, e isso está desancorando o mercado. "Ninguém é responsável. E é a isso que o mercado está reagindo", diz ele, sobre o movimento de baixa da semana passada. Nesse sentido, seria necessária uma atuação ousada assim como coordenada entre as nações em matéria monetária, de crédito e fiscal, inclusive em termos de saúde, para mudar as expectativas e reverter a corrida por segurança. Enquanto não houver essa mudança de expectativas, afirma ele, o sistema ficará à deriva e se espera o pior resultado possível. A seguir, os principais trechos da entrevista.
<b>Os mercados perderam a referência? Qual a sua perspectiva?</b>
O mercado está desancorado. Responde aos sinais que ele recebe do setor real da economia e também da parte de política econômica e da política como um todo. E, no momento, o mercado acha que não vale a pena manter posições e, por isso, está numa fuga para ativos seguros, como títulos do Tesouro americano, ouro e vendendo ativos de risco que vão desde ações a bônus de empresas como papéis de países emergentes.
<b>Esse pânico tem razão de ser?</b>
Eu não chamaria de pânico. Há uma conjuntura extremamente desafiadora e resultado de três variáveis importantes. Primeiro, o choque inesperado, que causa muita incerteza, que é o coronavírus, onde nem as autoridades médicas muito menos as políticas têm sido capazes de lidar de forma eficiente. Isso desancora o mercado. Em segundo lugar, outro choque que se sobrepõe e está parcialmente relacionado é a quebra do acordo de produção dos países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que gerou queda muito expressiva do preço do petróleo. Em terceiro lugar, e que fica muito claro depois de semanas de convivência com o vírus, é que não há liderança política de país e, pior, menos ainda mundial. Ou seja, ninguém é responsável.
<b>Já podemos dizer que estamos em uma crise de crédito ou ela é iminente?</b>
Eu diria que a pior crise agora é a crise de liderança. Eu diria em inglês "nobody is in charge", ninguém é responsável. É a isso que o mercado está reagindo. Por exemplo, o pronunciamento do presidente dos EUA, Donald Trump, que supostamente iria acalmar os mercados e anunciar grandes medidas… Não anunciou nada de expressivo exceto algo que foi alarmante. Ou seja, se você tem conhecimento e, por alguma razão, fecha fronteira por 30 dias para a Europa, alguma coisa te preocupa muito. No entanto, não anuncia como vai atacar a questão da contaminação nem como encontrar medidas paliativas para amenizar o impacto econômico e no mercado financeiro. Os EUA sempre tiveram esse papel de liderança e essa credibilidade de conduzir o mundo em momentos difíceis. Hoje, não há nenhum dos dois e cada um está tentando resolver o problema por si só.
<b>Falando da questão da liderança, como o sr. classifica a liderança no Brasil?</b>
A gente não está em posição de personalizar ou julgar ninguém. Eu diria que a frase cabe para qualquer lugar: Nobody is in charge.
<b>Temos visto nos últimos dias muitos anúncios de incentivo monetário. Por que não há fiscal e no que isso ajudaria mais?</b>
Até o momento, com exceção da Inglaterra, que ofereceu um pouco mais em matéria fiscal, a reação principal que está limitando a velocidade e a intensidade de respostas à crise tão grave é que se tem um espaço fiscal muito limitado. Com toda essa liquidez e a queda das taxas mais longas de juros, se vê o endividamento não só soberano, mas também das empresas. Então, o espaço para fazer política contracíclica fiscal é muito limitado. Mas é importante fazer porque uma das consequências do vírus é inibir atos de consumo e isso é um choque de demanda muito forte, especialmente no setor de serviços. Por isso, é preciso entrar com a política fiscal, para expandir a demanda agregada e, com isso, compensar a queda do consumo privado gerada pela incerteza do vírus.
<b>Mas também há riscos com estímulos fiscais…</b>
Em condições ideais, não seria recomendável ter um aumento do gasto primário nem das economias avançadas nem das emergentes. Mas, entre as alternativas, não fazer é muito pior do que ter uma deterioração fiscal de curto prazo. Porque pode-se entrar em dois problemas. Primeiro, uma cadeia de inadimplência, ou seja, as empresas já têm dificuldade por falta de capital de trabalho, há aquelas com problema de liquidez e, aí, o crédito fecha e começa a ter problemas de pagamentos. Se continuarmos nesse ritmo, em uma ou duas semanas podemos começar a ter eventos de crédito e problemas de liquidez graves, que poderiam começar a afetar um setor que hoje está muito bem posicionado, que é o financeiro.
<b>Para o Brasil, há algum componente a mais de preocupação no movimento do câmbio além do próprio fortalecimento do dólar?</b>
A desvalorização do câmbio, além do preço justo de equilíbrio de longo prazo, já vinha ocorrendo antes do processo do coronavírus ser conhecido. A razão é muito simples. Uma escolha binária: se escolhe cortar os juros, que era a medida correta a ser tomada pelo Banco Central, não se pode esperar que o câmbio fique no mesmo lugar. A decisão correta e positiva de cortar a taxa de juros para 4,25% no Brasil causou uma redução dos fluxos de capital muito expressiva, portanto, a oferta de dólar diminuiu muito.
<b>Tensões políticas recentes têm ajudado a pressionar o dólar?</b>
Na questão política, acho que perdemos grandes oportunidades para entrarmos nessa crise em outro patamar, com maior grau de fluxo de capitais, investimentos em infraestrutura, privatizações. A política impediu que estivéssemos em melhores condições iniciais. Agora, dada a ordem de grandeza, é a diferença entre uma arma nuclear e uma banana de dinamite. Fundamental, e o que as pessoas esquecem, o câmbio é um ativo financeiro e, portanto, responde muito a expectativas e notícias. Contribuir só com notícias negativas é dar tiro no pé. O Brasil, que sempre respondeu bem durante crises, poderia aproveitar esse momento desafiador para a economia mundial para fazer o que tem de ser feito em reformas e tentar minimizar o impacto na atividade, e no balanço de pagamentos. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>