Bolsonaro faz pressão contra STF e governadores

Às vésperas da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado sobre ações e omissões do governo federal na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro pressionou o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Em conversa por telefone divulgada pelo próprio senador nas redes sociais, Bolsonaro dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, a instalação da CPI pode ser revista.

"Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também", disse Bolsonaro ao senador. "Sabe o que eu acho que vai acontecer, eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo."

Kajuru respondeu que ingressou, anteontem, com pedido no STF para obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em plenário o afastamento do ministro do STF Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro respondeu: "Você é 10". "Ou bota tudo ou fica no zero a zero", referendou o senador. "Sou a favor de botar tudo para a frente", afirmou o presidente.

O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Somente contra Alexandre de Moraes são seis. O ministro virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Além dele, também há requerimentos para investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Todos estão na gaveta do presidente da Casa.

No diálogo divulgado por Kajuru, o presidente fala mais de uma vez sobre a necessidade do contra-ataque ao STF. "Você pressionou o Supremo, né?", afirmou. "Sim, claro. Entrei ontem, às 17h40", respondeu o senador. E Bolsonaro conclui: "Parabéns para você". Assim como o ministro Luís Roberto Barroso obrigou o Senado a instalar a CPI, o objetivo é forçá-lo a também determinar a análise dos pedidos de impeachment contra os ministros do STF.

<b>Governadores</b>

No telefonema, o presidente também orientou que a CPI, se instalada, trabalhe para apurar a atuação de prefeitos e governadores, o que tiraria o foco exclusivo de seu governo. "Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim… CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final", afirmou Bolsonaro a Kajuru. Na quinta-feira, 8, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que o presidente do Senado instale a CPI da Covid. Pacheco travava a iniciativa, apesar de a comissão ter recebido as assinaturas de apoio necessárias para ser aberta. No dia seguinte à decisão, em conversa com apoiadores, Bolsonaro acusou Barroso de "militância política" e cobrou que o ministro mandasse abrir análises de pedidos de impeachment no Senado, afirmando que há "milhões de assinaturas" da população para este tipo de demanda.

"A CPI hoje é para investigar omissões do governo Bolsonaro, ponto final. Tem que mudar a amplitude dela", comentou Bolsonaro com Kajuru. "Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir (o ex-ministro da Saúde) Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana." Não é possível saber se o presidente tinha conhecimento de que o diálogo estava sendo gravado e seria publicado. Procurado, o Planalto não quis se manifestar.

Na ligação, Bolsonaro também atribuiu o número de mortes da covid-19 à suposta omissão de prefeitos e governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. "A questão do vírus, não vai deixar de morrer gente, infelizmente, no Brasil. Poderia morrer menos gente se os governadores e prefeitos que pegassem recursos e aplicassem realmente em postos de saúde, hospital", disse Bolsonaro.

Na quarta-feira, o plenário do STF vai analisar a liminar de Barroso que determinou a instalação da CPI. Segundo um ministro ouvido pelo Estadão, a maioria deve referendar a decisão de Barroso, mas com a ressalva de que a comissão só deverá ser instalada quando os trabalhos voltarem a ser presenciais. Isso significa que Pacheco está desobrigado de instalar a CPI neste momento. A conversa de Bolsonaro com Kajuru, contudo, pode mudar essa posição. Na avaliação desse ministro, se ficar caracterizado que Bolsonaro pretende intimidar os ministros com pedidos de impeachment, a resposta será a instalação imediata da CPI.

<b>Repercussão</b>

O diálogo com Kajuru pode resultar em novo pedido de impeachment contra Bolsonaro. "É inadmissível que o presidente da República desrespeite um direito do Congresso, previsto na Constituição, e tente interferir no processo dessa forma. Do que o presidente tem tanto medo? A CPI da Covid é urgente. Temos que parar os culpados por esse genocídio!", afirmou o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Para ele, Bolsonaro cometeu crime de conspiração contra o Judiciário e atentado à autonomia dos Poderes. "Não é uma postura que se espera de um presidente, mas é usual para o Bolsonaro", afirmou o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (SE).

"É muito estranho a divulgação de telefonema privado. É muito ridículo isso. O presidente tem direito de falar com quem quiser. O objetivo dele é estender para Estados e municípios, o que de fato vai acontecer ao surgir fatos sobre o repasse de recursos para os governos estaduais e municipais. A CPI é um instrumento da minoria, e o impeachment de ministros é diferente, depende da aprovação ampla da maioria", disse o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF). O presidente do Senado não quis comentar.

<b>Divisão</b>

A inclusão de prefeitos e governadores no escopo da CPI da Covid ainda divide os senadores. O presidente Jair Bolsonaro criticou a comissão por focar apenas nas ações do governo federal. Para contrapor o discurso, o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (ES), apresentou, anteontem, um requerimento para que a comissão também investigue a crise em Estados e municípios.

Para alguns parlamentares, isso pode inviabilizar os resultados práticos e transformar a comissão em uma verdadeira "guerra" entre o Palácio do Planalto, governadores e prefeitos. Para outros, porém, o argumento é que a verba federal para a covid-19 foi repassada a governos estaduais e municipais, onde a apuração precisa ser feita. "Todo mundo está empenhado em não fazer ouvido de mercador", afirmou a senadora Rose de Freitas (MDB-ES).

Na quarta-feira, o plenário do Supremo fará o julgamento sobre a instalação da CPI da Covid. Depois de aberto o prazo de indicação de membros no Senado, a instalação pode se tornar irreversível, mesmo com um resultado diferente no STF. A expectativa entre senadores, porém, é que o Supremo confirme a decisão do ministro Luís Roberto Barroso. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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