Em ruas do município, uma problemática social põe a mostra duas realidades diversas de classe. De um lado, a incidência de trabalho infantil nos faróis da cidade deixa evidência a pobreza de crianças e suas famílias; do outro, a população em seus automóveis coagida com a abordagem dos menores. Um exemplo desta discrepância pode ser visto na avenida Benjamim Harris Hunnicutt, na região central. Com frequência, um grupo de menores vai ao local, ficam em semáforos próximos a um supermercado da região e, após apresentarem um manuseio artístico com uma espécie de malabares, pedem dinheiro aos motoristas que trafegam no local.
Menores ganham R$ 75 por semana
Esta semana, o Guarulhos Hoje abordou sete meninos no trecho indicado da Benjamim Harris Hunnicutt. "Em duas semanas conseguimos R$ 150", afirma um deles, que não revelou à própria idade, mas aparentava ter por volta de 14 anos. Outro, de 16 e identificado como M., conta que vai ao farol para ganhar dinheiro e comprar roupas. "Quando volto para casa dou metade do dinheiro para minha mãe, para ajudar em casa. A outra parte e guardo no cofrinho para comprar roupa", contou. O mais novo do grupo tinha apenas quatro anos de idade e se arriscava entre os carros quando o semáforo ainda estava verde aos veículos.
M. diz que cursa a oitava série do Ensino Fundamental. De seus pais, conta que a que a mãe é empregada doméstica e diz não saber qual é o trabalho do pai. Ele afirma ter ensinado o irmão de quatro anos a manusear os malabares. "Antes eu ia pras (sic) ruas de São Paulo engraxar sapato. Daí, como as pessoas usam mais tênis agora, vim pra cá", diz.
Piedade e medo leva a doações
Por outro lado, a população em seus automóveis abordada por estes menores, de realidade tão distinta, aponta ao mesmo tempo as sensações de piedade e insegurança diante da problemática social. A dona de casa Aparecida Nunes, 60 anos, conta sentir-se coagida com a abordagem. "Não sabemos que reações estas crianças podem ter aos nos abordar no carro, o que dá uma sensação de insegurança", disse a dona de casa, que também destaca: "não dou esmolas nem compro nos faróis, mas sinto dó destas crianças e me pergunto se estão sendo exploradas".
Combate possui educação como ponto principal
Se por um lado o recurso oferecido em programas de eliminação deste problema não compete com a renda adquirida com o trabalho infantil, profissionais que lidam com o combate à incidência das práticas de menores nos semáforos apontam que a vitória sobre o essa situação demanda fortes investimentos em educação – item que idealmente não é compatível com a estada dos menores nas ruas. "Esta realidade cruel e miserável pode mudar com crianças na escola, propagação de conhecimento e conceitos de cidadania", ressalta o desembargador Antonio Carlos Magalhães, responsável pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça.
A assistente social Erica de Souza reitera que "a qualidade e o investimento no ensino fazem a diferença para a sociedade, principalmente para quem está numa situação vulnerável". Magalhães, que fora de sua atuação profissional participou de grupos de auxílio às crianças de rua, conta que menores nos faróis, na maioria das ocasiões, são explorados pelos pais ou pelos chamados ‘pais de rua. "Há casos em que pessoas alugam crianças dos próprios pais para conseguir dinheiro nas ruas", diz.
Erica alerta ainda que "ao comprar produto ou dar esmolas às crianças, a população estimula que esta cadeia problemática que envolve estes menores persista".
Menores da Hunnicutt já foram abordados
De acordo com o secretário adjunto de Assistência Social, Samuel Vasconcelos, crianças em situação similar a estas mencionadas pelo reportagem já foram abordados no último dia 10 pela equipe de aproximação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), pertencente ao Governo Federal e gerido pelo município.
"Neste local, crianças e seus responsáveis, moradores da comunidade Hatsuta, foram abordados este mês, mas não tínhamos a informação de reincidência",justifica. O Secretário adjunto explica que, na ocasião informada por ele, os pais rejeitaram ajuda. Além disso, elucida também que houve o encaminhamento de um relatório à Vara da Infância e Juventude de Guarulhos. "No entanto, vou solicitar nova intervenção da equipe no local nos próximos dias", afirmou ele, na última quarta-feira quarta-feira. A reportagem visitou o mesmo local ontem e constatou que ainda permaneciam crianças trabalhando na região.
Vasconcelos comenta que a Prefeitura procura combater a prática destas crianças. "Reuniões são feitas com conselhos tutelares e a secretária para discutir estratégias de combate ao trabalho infantil". Ele destaca que, desde 2006, o Peti auxiliou cerca de 900 crianças e atualmente 120 menores são assistidos.
Valores – No programa, as famílias recebem uma bolsa auxílio de R$ 50 reais – sendo R$ 20 de verba federal e a contrapartida de R$ 30 da Prefeitura. O benefício é concedido para que os filhos sejam mantidos longe dos trabalhos na rua. As crianças também participam atividades socioeducativas em entidades parceiras. No entanto, um dos pontos neste caso em que é possível haver um problema é que esse valor equivale a um terço do que um dos jovens entrevistados pela Reportagem declarou receber em duas semanas no serviço informal.
O Projeto Meninos e Meninas de Rua, parceiro da Pasta, também faz abordagem nas ruas para inserção dos menores e suas famílias em políticas públicas, além de introduzi-los em atividades culturais. Hoje a entidade atende uma média de 280 crianças por mês.