Está em discussão no Congresso Nacional a emenda a um projeto de lei que pode beneficiar a formação de atletas paralímpicos no País, liberando cerca de R$ 90 milhões que estão represados junto ao Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) há nove anos. O texto também prevê o repasse de 0,03% do dinheiro arrecadado pela Loteria Federal a entidades que incentivem o paradesporto. No ano passado, por exemplo, a Loteria Federal arrecadou o total de 16,7 bilhões, e a porcentagem representaria R$ 5,1 milhões.
O Projeto de Lei foi criado inicialmente para o pagamento do auxílio emergencial a pessoas envolvidas com o esporte e já foi votado pelo Senado, mas voltou à Câmara dos Deputados para discussão e votação da emenda dos senadores Carlos Viana (PSD-MG) e Romário (Podemos-RJ). O primeiro sugere que o valor repassado ao paradesporto seja o acumulado dos últimos anos e o que tiver daqui para frente. O texto do ex-jogador considera só o valor a partir da aprovação da emenda.
"O que pretendemos fazer é um remanejamento dos recursos entre as entidades já atendidas pelo Sistema Nacional de Desporto, incluindo agora o Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos (CBCP)", informou Carlos Viana ao <b>Estadão</b>.
O CBCP foi criado recentemente, em 27 de julho, da união de 11 entidades de práticas paradesportivas. O principal objetivo é o de incentivar na formação de atletas com deficiência. Quem está à frente da entidade é João Batista, primeiro presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, nos anos 90.
Ele contou ao <b>Estadão</b> que a decisão de criar a nova entidade foi motivada também pela indignação de ver associações paradesportivas com dificuldade para ter acesso à verba que lhes era de direito. "Se você olhar os clubes contemplados nos editais do CBC vai ver que são quase sempre os mesmos: Pinheiros, Esperia, Minas Tênis… Clubes tradicionais que possuem estrutura e boas condições financeiras", disse Batista.
O CBC recebe desde 2011 verbas das loterias federais e deveria repassar aos clubes que apresentarem projetos. Segundo o balanço de 2019, há R$ 90,4 milhões descritos como "poupança para projeto paralímpico" em uma planilha denominada recursos para aplicação em clubes esportivos sociais. O dinheiro está represado.
O presidente do Conselho Consultivo do Comitê Brasileiro de Clubes, Arialdo Boscolo, discorda que tenha que repassar o total acumulado. Na opinião dele, caso seja aprovada a emenda, ele deve transferir para o CBCP somente R$ 20 milhões, que é o valor represado a partir da lei 13.756, de dezembro de 2018, na qual a emenda se baseia. "O valor não retroage à lei. O CBC teve em seu histórico recente dificuldade de executar o recurso ao esporte paralímpico e concordou com a criação do CBCP. Mas diverge do valor total."
O edital mais recente, encerrado em 22 de maio, distribuirá R$ 162,5 milhões. Mas só puderam participar os clubes filiados ao CBC, que pagam uma mensalidade de R$ 3.900. A mensalidade é inviável para muitas associações. Dos 36 filiados que enviaram proposta, nenhum é dedicado somente ao esporte paralímpico.
Não há um clube exclusivamente paralímpico entre os contribuintes. O advogado Eduardo Carlezzo, especialista em direito desportivo, questiona os critérios adotados pelo CBC. "É de duvidosa legalidade já que, na prática, acaba impedindo que os recursos cheguem a sua destinação final, que seriam os clubes paralímpicos", afirmou.
Boscolo explica que a cobrança era uma forma de criar vínculo com as entidades esportivas. "Uma associação com poucos sócios, sem uma grande estrutura física, qual garantia vai dar em um edital? Que garantia ela pode oferecer caso não aplique corretamente os valores recebidos? A partir dessas dificuldades começamos a buscar soluções para atender a essa demanda", contou.
A forma encontrada para levar recursos diretamente aos clubes paralímpicos foi criar uma nova entidade, o CBCP, e incluí-la entre os beneficiários dos repasses advindos das loterias, sem intermediário. Ou seja, o dinheiro da Loteria vai direto para a entidade paralímpica sem ter que passar pelo CBC.
QUEM PODE SE BENEFICIAR – Há cinco meses, desde o início da pandemia no Brasil, a Associação Mais Acessível, de Belo Horizonte, só recebe contas para pagar e não gera receitas. A entidade é proprietária de um ginásio que fica no centro da capital mineira e conseguia se manter com o aluguel do espaço para grupos de atletas. A renda ficava em torno de R$ 5 mil mensais, insuficiente para poder investir no treinamento do time de basquete de cadeiras de rodas.
"Já tivemos três times masculinos e um feminino. Hoje conseguimos manter somente um masculino. Vem gente direto bater na nossa porta, mas não temos infraestrutura para receber mais gente", conta Leonardo Mattos, presidente da entidade.
Cada cadeira de rodas para a prática do basquete custa cerca de R$ 8 mil. E por ser um esporte de muito contato a manutenção também é cara. Os pneus precisam ser trocados a cada seis meses em média, com valor de R$ 250 o par. Uma cadeira dessas tem vida útil de cinco anos.
Mattos, de 64 anos, pratica o esporte há mais de 40 anos. Ele descobriu o basquete de cadeira de rodas um pouco depois de ficar paralítico por causa de um acidente de carro. Hoje não compete mais, mas ainda gosta de jogar. A associação conta atualmente com apenas oito cadeiras em bom estado. Não daria nem para dois times de basquete. As disputas acontecem porque tem praticante que leva a sua própria cadeira. Mattos conta que a entidade não tem condições de pagar a mensalidade ao CBC e por isso não participa dos editais.
Por isso, a associação decidiu apoiar a criação do CBCP. Ele torce pela aprovação da emenda para tornar a distribuição da verba ao esporte mais democrática. "Agora vamos ter um lugar com quem poderemos contar. É importante existir essa perspectiva de financiamento do paradesporto. Os esportes coletivos são muito caros, as cadeiras, os pneus, participar das competições. Em Belo Horizonte só tem a minha equipe de basquete. O Sesi não aguentou manter o time. Queremos só a distribuição mais democrática e com critérios, com prestação de contas."