Cidades

Funcionários da Câmara de Guarulhos batem ponto e deixam local sem trabalhar

“Farra do boi” ou “Casa da mãe Joana”? O termo exato não importa, mas qualquer um dos dois pode explicar um pouco do que se passa na Câmara Municipal de Guarulhos. Respaldados em uma portaria de 1991 e por uma sequência de leis criadas desde 2013 pela Mesa Diretora da Casa de Leis, 38 funcionários mantêm vínculos com o Poder Legislativo sem necessariamente cumprir suas funções. Com bons salários, alguns deles fazem o que querem. Por ano, a Câmara gasta R$ 6,4 milhões com este grupo de privilegiados. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. 
 
Em conjunto com uma equipe do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), o GuarulhosWeb monitorou por 15 dias a rotina profissional de cinco destes servidores que compõem o “grupo dos 38” dentro do Legislativo. Apesar de terem carga horária, das 8h às 17h30, para cumprir suas obrigações, eles exerciam tarefas que não são condizentes com as funções profissionais que constam de seus contratos de trabalho.  Há informações que outros funcionários, que não estão neste grupo, utilizam a mesma prática, porém, a reportagem se limitou a investigar apenas servidores que se beneficiam de uma lei, bastante questionada na Justiça. 
 
A prática é quase sempre a mesma. O funcionário faz o registro de ponto eletrônico e, imediatamente, sai do local de trabalho sem se dirigir aos locais onde deveria estar trabalhando. Alguns deles chegam a registrar a entrada com até 50 minutos de antecedência do horário estabelecido para o início da jornada de trabalho, mas só retornavam ao posto de trabalho para fazer o apontamento no final do expediente naquele dia. 
 
Em um determinado dia, durante a apuração, foi possível presenciar a visita, costume adotado também em outros dias, de um agente de segurança a um bar nas proximidades da Câmara Municipal. Sem nenhuma preocupação em ser incomodado, o colaborador degustou bebida alcoólica durante o horário de expediente. Além dele, os demais monitorados também não foram encontrados nas dependências da Casa de Leis. 
 
“Deveriam estar nas suas seções e não comparecem. O inquérito foi instaurado há poucos dias e não foi possível apurar muita coisa. Nós já encaminhamos um ofício ao presidente da Câmara para que preste esclarecimentos sobre faltas em demasia sem sofrer qualquer punição administrativa”, declarou ao SBT o promotor público, Nadim Mazloum, que recebeu a denúncia.
 
Entenda o caso
 
Em 1996, o Poder Judiciário se manifestou, de forma contrária, à criação da portaria 6702 de 14 de agosto de 1991, que tinha como objetivo manter 38 privilegiados em suas respectivas funções dentro do parlamento guarulhense. A partir de 2013, o Legislativo começou a travar uma verdadeira batalha com o Judiciário, que segue pautada pela inconstitucionalidade apontada pela Justiça e a criação de novas Leis pelos legisladores, muitas delas votadas em sessões extraordinárias, para mantê-los em atividade. 
 
No entanto, de acordo informações apuradas pelo GuarulhosWeb, a sequência de Leis aprovadas, que tinham como objetivo a readequação específica de cargos para estes 38 funcionários, serviu para legitimar as respectivas funções e dessa forma pleitear junto à Previdência, por meio do IPREF, o benefício da aposentadoria. Aliás, solicitado e conquistado por meio de mandado de segurança. As leis aprovadas pela Câmara Municipal e consequentemente sancionadas pelo prefeito Sebastião Almeida (PT) foram consideradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário.
 
Deste determinado grupo constituído dentro da segunda maior Câmara Municipal do estado de São Paulo, doze deles já conquistaram o direito da aposentadoria de suas funções. Isso só foi possível por conta das cinco leis criadas a partir da determinação judicial que previa a obrigatoriedade da demissão daqueles funcionários, que – segundo aquela ordem – não existia compatibilidade entre a contratação deles e a execução dos cargos em que ocupavam.
 
Em meados de maio de 2015, a 3ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos julgou e com decisão transitada para que o Poder Legislativo guarulhense os demitissem até o dia 31 daquele mês. Entretanto, a Casa de Leis encontrou como saída a confecção de uma nova legislação para readequação de cargos para driblar a determinação judicial. Desde 2013 foram criadas as leis n.º 7234 / 2013, 7321 / 2014, 7382 / 2015, 7408 / 2015 e 7475 / 2016, que tinham a mesma finalidade. Ou seja, manter os 38 funcionários. 
 
No dia 18 de junho do ano passado, a Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa composta pelos vereadores Eduardo Barreto (PCdoB), Laércio Sandes (DEM) e Edmilson Americano (PHS), rejeitou e deu parecer contrário à incorporação da lei n.º 2649 / 2015 na pauta de votação do dia seguinte. No entanto, o presidente da Casa, o vereador Professor Jesus (DEM), ignorou a justificativa da comissão que apontava sua inconstitucionalidade e a colocou para votação. A lei foi aprovada pelos parlamentares. 
 
Com a instituição da Constituição Federal em 1988, o poder público passa a ter que realizar seus processos de contratação, através de concurso público ou estabelecer um percentual mínimo para efetivação de colaboradores em cargos de comissão ou de confiança. Contudo, estes 38 funcionários precisariam ter cinco anos de prestação de serviço na edilidade antes da promulgação da Constituição Federal. Estes teriam que ser contratados até o dia 5 de outubro de 1983, o que não ocorreu.
 
 
Sem necessidade
 
“A nossa Constituição preza a profissionalização do serviço público recrutado pelo mérito, através do concurso público. Essas pessoas não são beneficiadas, porque isso já foi discutido em decisão anterior. E que mesmo para aquela época já havia a irregularidade. Essa nova lei repete a anterior apenas alterando o nome dos cargos. Criaram cargos em comissão quando não havia necessidade de criar cargos de confiança. É um comportamento inadequado”, explicou o procurador geral da República Wallace Paiva Martins Junior, ao SBT. 
 
Diante deste quadro, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e tem como relator o ministro Teori Zavascki, que também é responsável pela Operação Lava Jato, desencadeada pela Polícia Federal para investigar desvios de conduta na administração da Petrobrás. Assim, o caso não tem data prevista para ter o seu desfecho final, além da possibilidade de haver novos capítulos.
 
“Eu tenho conversado com os secretários e diretores das pastas porque hoje temos aproximadamente, entre comissionados e concursados, cerca de 600 funcionários e não conseguimos controlar tudo. Se isso realmente aconteceu, eu vou apurar e chamar os secretários e diretores e terão de me dar uma explicação plausível sobre isso, por, que muitas vezes foge da minha alçada”, afirmou o vereador e presidente do Poder Legislativo, Professor Jesus (DEM). 
 
 

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