O Ibovespa encerrou a sessão próximo à mínima do dia, após ter chegado a se firmar em alta no começo da tarde, com a indicação de que a liberação de reajustes ao funcionalismo público, aprovada ontem no Legislativo, seria vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, sob recomendação do ministro da Economia, Paulo Guedes, que aparecia como o grande derrotado da noite de quarta-feira. No início da tarde, Bolsonaro reiterava que continuará a acompanhar a "cartilha" de Guedes, o "senhor da razão" na Economia, uma reafirmação de poder do pilar que o mercado temia se enfraquecer ante a aproximação do governo ao Centrão, em troca de apoio no Congresso.
Contudo, o principal índice da B3 fechou a sessão desta quinta-feira em baixa de 1,20%, aos 78.118,57 pontos, oscilando entre mínima de 78.061,44 e máxima de 80.061,19 pontos na máxima da sessão. Convergindo para melhora do humor aqui e no exterior, o desempenho acima do esperado para as exportações da China em abril, com a reabertura gradual da segunda maior economia do mundo, deu impulso às ações de Vale e Petrobras, que fecharam a sessão, respectivamente, em alta de 3,88% e de 2,01%, para a ON da petrolífera. Na ponta do índice, três outras exportadoras, Klabin (+10,93%), Suzano (+7,50%) e Marfrig (+7,33%), beneficiadas pela apreciação do dólar, que melhora a geração de receitas em real.
As ações de bancos voltaram a fechar em baixa, após redução maior do que esperada na Selic e a divulgação do resultado trimestral do Banco do Brasil, com queda do lucro em meio a aumento das provisões – assim como observado em divulgações anteriores referentes ao primeiro trimestre, de Bradesco e Itaú Unibanco. A ação PN do Bradesco cedeu hoje 4,30% e a do Itaú, 3,60%, com Santander em baixa de 5,38% e Banco do Brasil, de 2,70%, no fechamento da sessão. A acentuação das perdas do Ibovespa no ajuste de encerramento, quando se posicionou perto da mínima do dia, refletiu o aumento da correção negativa nas ações de bancos e a limitação nos ganhos de Vale e, especialmente, Petrobrás.
O giro financeiro da sessão totalizou R$ 30,9 bilhões, bem mais forte do que o observado nas três sessões anteriores e também acima do registrado diariamente ao longo da semana passada. O Ibovespa acumula agora perda de 2,97% na semana e no mês, e de 32,45% no ano.
Com o dólar descolado do exterior, pressionado em direção a novas máximas históricas, após o corte da Selic a 3% na noite anterior e a indicação pelo BC de novo corte de até 0,75 ponto na reunião seguinte, em junho, as preocupações fiscais se impuseram mais uma vez ao mercado, em dia no qual Bolsonaro caminhou com empresários da indústria ao Supremo Tribunal Federal, em movimento interpretado por ministros do STF, reservadamente, como uma manobra de constrangimento e de compartilhamento do ônus da crise.
Com Bolsonaro aumentando a pressão sobre o Judiciário, que havia entendido que Estados e municípios são os entes responsáveis por definir as regras e o momento do afrouxamento do distanciamento social, restou ao presidente recorrer a retórica sobre o "colapso" da economia, no dia seguinte ao Congresso ter ampliado o número de categorias do funcionalismo isentas do congelamento de salários, defendido por Guedes como contrapartida de Estados e municípios aos benefícios concedidos para enfrentar a pandemia. Com as mudanças aprovadas pela Câmara, antes do projeto voltar ao Senado, – e que, segundo o líder do governo, deputado Major Vitor Hugo, tiveram o aval de Bolsonaro -, a economia do setor público cairia de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões, de acordo com a equipe econômica, restringindo a margem de manobra na crise.
"Não há unicidade de pensamento entre o lado político e o econômico do governo, e isso está se refletindo nos preços dos ativos, como visto hoje. Tivemos um corte mais forte de juros que não se transmitiu para a Bolsa, mostrando que as correlações, há algum tempo, já não funcionam como antes", observa Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset. "O que temos agora é um câmbio muito pressionado, sem que as vantagens dos juros mais baixos cheguem na ponta do crédito, com os bancos naturalmente muito cautelosos quanto a aumento da inadimplência", acrescenta.
"Guedes está isolado, com o próprio presidente desautorizando ações fiscalistas, e isso se reflete em percepção de risco maior, tanto sobre a política como sobre o aspecto fiscal", diz Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. Ela considera que o BC, ao cortar em 0,75 ponto porcentual a Selic, parece não ter colocado em seu cenário a deterioração do quadro fiscal e político, que já vem sendo antecipada pelo mercado na precificação dos ativos, antevendo a transformação de gastos extraordinários e temporários em "menos temporários do que seriam" de outra forma. "O resultado é que ao final do estado de calamidade, haverá duas opções: renovar o período de calamidade para o próximo ano, o que seria muito ruim, ou elevar o teto de gastos", acrescenta Solange.