Em um mundo marcado sobretudo pela alta competitividade, isolamento e individualismo, um conceito muito caro à filosofia merece nossa atenção: amizade. Especialmente nesta semana em que se comemora, em 22 de maio, o Dia do Abraço, o momento se configura como oportuno para nossa reflexão.
A data é simbólica. Nasceu com um jovem australiano, Juan Mann, que um dia saiu nas ruas de Sidnei, oferecendo abraços grátis. Se a iniciativa pode parecer excêntrica, por outro lado nos leva a repensar no seu sentido mais profundo, como manifestação de afeto e amizade. Como dizia o músico Cazuza, “abraço é o encontro de dois corações” ou a escritora Clarice Lispector, “no abraço, mais do que em palavras, as pessoas se gostam”.
Não foram poucos os filósofos que se debruçaram na definição de amizade. Sócrates, por exemplo, já dizia que “para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolver em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos”. Para Platão, “a amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”. O que podemos depreender apenas desses dois filósofos gregos é que a amizade refere-se a uma relação com o outro.
A amizade é uma virtude. A amizade perfeita é uma fortíssima ligação que existe entre uma pessoa e outra. Um sentimento verdadeiro e uma relação envolvente, que na sua completude indica o cuidado que se tem com esse outro. Ver o outro como um “outro eu”, a quem se deve respeito e amor. Ter um amigo significa transferir o sentimento que se tem por si mesmo para outra pessoa, sem esperar nenhuma recompensa por esse amor.
Sem um amigo, a vida é tênue e é praticamente impossível superar as dificuldades que cruzam os nossos caminhos. Com o amigo, desenvolvemos a própria personalidade, aprendemos a nos conhecer pelo seu olhar e a conhecer o mundo sob novas perspectivas. O filósofo, estadista e ensaísta inglês Francis Bacon dizia que “a amizade duplica as alegrias e divide as tristezas”.
Na amizade perfeita, cada um se predispõe a aceitar o outro como um eu diferente, moldando os próprios hábitos e deixando de lado os interesses pontuais. Recuperar o importante valor da amizade é fundamental para que as relações sociais sejam revigoradas como essência da natureza humana. Para isso, é preciso pensar na amizade não apenas como um sentimento puro, mas sim uma relação, uma atividade em comum, que cada um deve cultivar para ser virtuoso e construir um mundo melhor.
A amizade é cooperação, ética, respeito, ausência de pré-julgamentos e preservação da vida.
A base da amizade está na descoberta do avesso, das dúvidas e angústias, da valorização das qualidades e da aceitação dos próprios defeitos e dos defeitos do outro. Está implícito, portanto, o sentido de tolerância, o respeito às diferenças e limites de cada um. O amigo não espera um benefício ou retorno qualquer pela dedicação e cuidado que oferece. O amor da amizade é um amor a si mesmo e ao outro, por ele ser mais do que o próprio reflexo no espelho. Ama-se o outro “eu”, a quem se doa para a sua felicidade. Ensinamos o outro e aprendemos com ele. Construímos juntos uma história em comum e desenhamos a trama da felicidade para ambos. A amizade é cooperação, ética, respeito, ausência de pré-julgamentos e preservação da vida.
Por isso, a amizade é um bem a ser cultivado. E que pode ser estimulado. A educação, a cultura e o esporte são práticas humanas que têm como premissa desenvolver os laços de amizade. Funcionam como uma “cola” que une seres isolados, formando uma sociedade mais equilibrada, justa e feliz.
Para nosso deleite, encerro com uma frase de Mario Quintana, que atribui à amizade a valorização da própria vida: “A amizade é um amor que nunca morre”. Amizade é, portanto, vida e um dos sentimentos que nos torna humanos de fato. Por isso, aproveitemos o Dia do Abraço para manifestar nossa amizade a quem nos são caros.
Jean Gaspar, mestre em Filosofia pela PUC/SP, é apresentador do programa Filosofia no Cotidiano (TV Cantareira) e presidente da Liga do Desporto, entidade que promove atividades físicas e desportivas como instrumento de educação e formação da cidadania.