A atriz paulista Graziella Moretto, de 50 anos, foi educada no Colégio Pio XII, de freiras progressistas, no Morumbi. A descoberta do conceito de feminismo, porém, veio pela televisão, ouvindo a sexóloga Marta Suplicy no programa TV Mulher, da Rede Globo, em 1980. "Perguntei para minha mãe o significado dessa palavra", lembra. "Ela me contou que minha avó tinha sido doméstica e costureira e, assim, entendi que precisava ver o Brasil sob outra perspectiva social, independentemente da recente ascensão da minha família."
Se falar dos desafios da mulher diante do coletivo voltou à moda nos últimos anos, Graziella rebate que, desde que se conhece por artista, insiste nesta tecla. Relembra o filme Domésticas (2001), em que foi uma das protagonistas, e evoca a parceria pessoal e profissional com o ator Pedro Cardoso, há 14 anos, perseguindo diferentes abordagens sobre o tema. O espetáculo O Homem Primitivo (2015), criado por eles, tratava de assédio e do adiamento dos planos da maternidade. "A questão da artista e doméstica faz parte da minha vida, ainda mais depois que nos mudamos para Portugal, há sete anos. Porque somos nós que cuidamos da casa, cozinhamos, lavamos roupa e louça", conta ela, que tem o apoio de uma faxineira semanal. "Para mim, essa rotina não é novidade, mas para o Pedro e nossas filhas, que nunca lavavam um prato, é uma virada e tanto."
Com a reorganização de tarefas em família, Graziella olhou para fora da sua janela e entendeu que tal realidade pertence a uma minoria. O buraco, aliás, começa bem lá atrás, ainda nos bancos escolares.
Essa é a premissa de A Reclamação da República, monólogo cômico escrito, dirigido e protagonizado pela artista, que estreou no Teatro MorumbiShopping. Em cena, uma atriz tenta sair de casa para apresentar seu espetáculo, mas a babá não chegou para cuidar de seus filhos, porque a vizinha que olha os meninos dela teve um imprevisto.
Entre a reflexão e a revolta, a protagonista de A Reclamação da República recorda de um trabalho de colégio, em que discordou de um colega sobre o papel de Leopoldina, a mulher de Dom Pedro I, no processo de Independência do Brasil. Não tarda para que ela estabeleça conexões com o apagamento de mulheres fundamentais ao longo da história oficial do País. "É um absurdo, porque Leopoldina assinou a carta da Independência e, enquanto Dom Pedro I fica com a imagem de herói, ela é tratada como figurante", afirma.
Graziella conta que sua indignação se intensificou diante de um livro adotado pela escola de sua enteada, Maria, hoje com 27 anos, há pouco mais de uma década. Nele, Leopoldina é citada em uma linha do capítulo sobre a Independência e descrita como feia e gorda. "Essas situações se repetem, porque as mulheres não têm um homem ao seu lado que lhes permita sair de casa para mostrar potencial", diz ela. "O Pedro ficou em Lisboa tomando conta das nossas filhas e me dá suporte para trabalhar no Brasil em um projeto autoral."
HUMOR E POLÍTICA. Graziella reconhece que a parceria com Pedro Cardoso é profícua, mas também gera acomodação da sua parte. Afinal, há 14 anos ela não era dona do próprio palco. "Pensamos no humor como Oscarito e Dercy Gonçalves, num teatro feito para o público, mas com ideias políticas, e nos completamos, vamos nos empurrando", assume ela.
Em sua vida lisboeta, a atriz voltou a estudar – fez mestrado em cinema antropológico e uma outra graduação, desta vez em Estudos Portugueses. Também conheceu amigos, alguns deles do campo da história e da linguística, e percebeu a hora de se descolar um pouco do marido e das filhas, prestes a completarem 13 e 19 anos. "Precisei desse exercício de independência para concretizar um trabalho meu", declara. "O Pedro, no máximo, acompanhou as pesquisas históricas no começo do processo." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>