Estadão

A batalha diária para informar em tempos de covid

Levará ainda algum tempo para que os impactos da pandemia do coronavírus sejam mensurados. Os efeitos sobre a vida íntima e a saúde das pessoas, o modo como a educação foi afetada – e o papel que isso terá na formação de toda uma geração -, o golpe na economia: são apenas alguns aspectos sobre os quais pesquisadores vão se ocupar ao longo das próximas décadas.

Nesse processo, o trabalho jornalístico, com o acompanhamento diário da evolução da pandemia e suas consequências, será uma fonte fundamental. Mas há também uma outra história a ser contada: a do próprio jornalismo e de como as redações de jornais, revistas, sites, agências de notícias e emissoras de rádio e televisão precisaram reinventar seu modo de trabalho de um dia para o outro. E fazê-lo em meio a uma crise na qual seu papel de informar e contextualizar foi fundamental.

É esse o tema do livro Nós Também Estivemos na Linha de Frente (Comunicação de Fato), do jornalista Marcelo Freitas. O autor entrevistou dezenas de profissionais: repórteres e editores dos principais veículos de imprensa do País, correspondentes e líderes sindicais da categoria. E tamanha diversidade resultou em um panorama sobre a atividade da imprensa durante 2020.

Em muitos momentos, o livro se lê como um thriller, em especial na primeira parte. É quando ele narra a chegada do coronavírus ao Brasil por meio do relato de profissionais que, das primeiras notícias sobre a contaminação na China até a primeira morte provocada pelo vírus no Brasil, começam a juntar as peças e se dar conta de que algo de muito sério estava se aproximando.

REINVENTANDO. E o que veio depois? A necessidade de reinventar todos os processos de produção da notícia. Como trabalhar quando a redação, onde ideias são trocadas, informações são discutidas, não podia mais ser um ponto de encontro?

O livro traz também a história de jornalistas que, apesar do risco de infecção, foram às ruas cobrir o que já se anunciava como um momento histórico. Revelaram, assim, os dramas pessoais de familiares, dos médicos e enfermeiros da linha de frente, de moradores em situação de rua ou das periferias. Aqui, é duro e necessário ler o relato daqueles que, nas ruas de Manaus, cobriram a falta de oxigênio em um dos momentos mais trágicos da pandemia.

Para esses profissionais, o vírus não foi a única ameaça. Freitas relembra as agressões sofridas por jornalistas durante a cobertura, muitas delas defendidas pelo governo federal. Ele mostra que, nos primeiros três meses de pandemia, foram 141 episódios em que o presidente Jair Bolsonaro se pronunciou contra o jornalismo; nas ruas, entre janeiro e abril de 2020, 179 profissionais foram alvo de agressões.

HOME OFFICE. Nas redações, ou melhor, nas casas transformadas em espaços de produção e edição de notícias, desafios substanciais também se colocavam. Um deles foi o trabalho com o jornalismo de dados. Um feito histórico foi a criação, em junho, do Consórcio de Veículos de Imprensa, formado por O Globo, Extra, Estadão, Folha de S. Paulo e os portais G1 e Uol. Na ausência de divulgação de números oficiais pelo governo federal, o consórcio passou a coletar e consolidar diretamente as informações.

Freitas aborda também a presença que a pandemia foi ganhando no noticiário. Numa direção, a busca de equilíbrio entre o foco na pandemia e a cobertura de outros temas. Em outra, o impacto em cadernos temáticos. Em um cenário sem competições esportivas, do que trata um caderno de esportes? Se não há produção cultural, o que abordará um caderno de cultura?

Foi preciso encontrar alternativas. Freitas cita, por exemplo, o Caderno 2 do Estadão, rebatizado de Na Quarentena – exemplo do que Freitas define como uma postura propositiva, na qual a cobertura técnica da pandemia passou a conviver com o serviço para o leitor: temas que pudessem ajudá-lo na permanência forçada em casa, com dicas que iam de cuidados com a saúde mental até sugestões de brincadeiras para crianças.

Com uma escrita hábil na costura de depoimentos, Freitas produz um livro que registra como a imprensa foi importante na defesa da ciência ou na batalha contra a desinformação. E não deixa de lado o aspecto humano: ele termina o livro listando todos os jornalistas mortos por covid-19 enquanto realizavam seu trabalho. Registro histórico que é também tocante homenagem.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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