Mundo das Palavras

A carta de Cazuza

A morte iminente de Cazuza “em praça pública” por contaminação de AIDS foi anunciada em matéria de capa pela Veja, na última semana do mês de abril de 1989. Para dar credibilidade àquele anúncio, a revista publicou informações obtidas pelos repórteres Alessandro Porro e Ângela Abreu que mantinham ligações pessoais com os pais do cantor, João e Lucinha Araújo.


 A matéria de Veja agravou o estado de saúde do cantor, a ponto de sua mãe ter de interná-lo numa clínica. Dois dias depois, já de volta a seu apartamento, Cazuza escreveu uma carta e enviou cópias dela para as redações de jornais e revistas do Rio de Janeiro.


Dizia: “A leitura da edição da VEJA, que traz meu retrato na capa, produz em mim e acredito que em todas as pessoas sensíveis e dotadas de um mínimo de espírito de solidariedade, um profundo sentimento de tristeza e revolta. Tristeza por ver essa revista ceder à tentação de descer ao sensacionalismo, para me sentenciar à morte em troca da venda de alguns exemplares a mais. Se os seus repórteres e editores tinham, de antemão, determinado que estou em agonia, deviam, quando nada, ter tido a lealdade e franqueza de o anunciar para mim mesmo, quando foram recebidos cordialmente em minha casa. Mesmo não sendo jornalista, entendo que a afirmação de que sou um agonizante devia estar fundamentada em declaração dos médicos que me assistem, únicos, segundo entendo, a conhecerem meu estado clínico e, portanto, em condições de se manifestarem a respeito. A VEJA não cumpriu esse dever e, com arrogância, assume o papel de juiz do meu destino. Esta é a razão da minha revolta. Não estou em agonia, não estou morrendo. Posso morrer a qualquer momento, como qualquer pessoa viva. Afinal, quem sabe com certeza o quanto ainda vai durar? Mas estou vivíssimo na minha luta, no meu trabalho, no meu amor pelos meus seres queridos, na minha música, e, certamente, perante todos os que gostam de mim” .


Após Veja ter anunciado a morte de Cazuza ele ainda viveu um ano e poucos meses.  Neste período, recebeu o Prêmio Scharp, o mais importante da indústria fonográfica no Brasil, e, lançou um álbum duplo, com uma música ainda hoje censurada pelas rádios. Seu título: “Cobaias de Deus”.


 

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