A mãe é uma pessoa simples que admira quem teve estudos. Sua casa modesta abriga o marido e a filha. Ela, a filha, é capaz de se manter, durante bom tempo, em silêncio. Como, de hábito, está a mãe. Embora, a jovem também possa falar bastante, se for necessário.
Naquele dia, a luz do sol havia desaparecido, havia muito. Elas permaneciam na cozinha, já altas horas da noite.
A jovem observava a mãe que montava o ambiente com que queria receber o marido, ainda no trabalho. Prestes, porém, a retornar. Ela vê quando a mãe deposita sobre a mesa de madeira a cesta com pão. E, depois, ao lado do cesto, põe uma pequena vasilha, cheia de pó de café. Como num roteiro antigo, já percorrido muitas vezes. Em seguida, a mãe dirigiu-se ao fogão de barro. Lá, a água do tacho estava quase fervendo. Com pequenos gravetos, a mãe realimenta o fogo. Para coar o pó de café na presença do marido. E ele possa apreciá-lo fresquinho.
A mãe não perde sua concentração. Nem quando diz, como se falasse para si mesma:
– Coitado. Até esta hora, no serviço pesado.
Anos mais tarde, a filha iria lembrar daquela noite. Ela, então, já não vivia com a mãe. Morava, como ela – antes -, também numa casa humilde. E, tinha um marido que trabalhava à noite.
Agora era a filha quem esperava a volta do companheiro. Quando, subitamente, percebeu: naquela noite do passado, sua mãe, em nenhum momento, dissera que amava o marido. Mas, ela a entendeu, por fim. Ali, na cozinha, amor era uma “palavra de luxo” dispensável. Para quem, como a mãe, desfrutava de um luxo maior. Pensou a filha: “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento”.
A filha, em sua cozinha, se sentia como a mãe. Como contava para as vizinhas. Ela falava assim: “Há mulheres que dizem: ‘Meu marido, se quiser pescar, pesque. Mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora da noite me levanto. Ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. É tão bom. Só a gente, sozinhos, na cozinha. De vez em quando, os cotovelos se esbarram. Ele fala coisas como ‘este foi difícil, prateou no ar, dando rabanadas”. E faz o gesto com a mão. O silêncio, de quando nos vimos a primeira vez, atravessa a cozinha. Como um rio profundo. Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva”.
Estes quatro personagens de dois textos poéticos de Adélia Prado – “Ensinamento” e “Casamento” -, é claro, são entidades fictícias. Não são a poeta. Mas não devem ser muito diferentes, pois compartilham com ela uma convicção: os mais transcendentes valores humanos estão no cotidiano. Retratado por Adélia com perplexidade e encanto – como nota a crítica literária.
(Ilustração: obra de Andre Kohn, artista russo radicado nos Estados Unidos)