Mundo das Palavras

A cor da sedução

Era só um modo de caminhar exibido por uma jovem, ao passar em frente à calçada de um bar de Copacabana no Rio de Janeiro. Qualquer frequentador daquele estabelecimento sentado numa das mesas instaladas na sua calçada poderia notá-lo, se não estivesse distraído com a passagem de outras moças por ali, nem perturbado com os barulhos das conversas em outras mesas. Mais difícil, porém, seria alguém imaginar que aquele jeito de andar da jovem, um dia, se tornaria conhecido universalmente.
 
E foi exatamente o que ocorreu porque naquele longínquo dia 1960 estavam no bar dois dos seres que ampliam os limites da percepção humana captando, com sensibilidade aguçada, detalhes do dia a dia desprezados pela maioria das pessoas. Dois artistas. Um, poeta, Vinicius de Moraes, outro, compositor, Tom Jobim.  Assim, o modo de andar de Helô Pinheiro, visto como “doce balanço” por eles, seria incorporado à letra de “Garota de Ipanema”, que ambos criaram e depois foi gravada ao longo das décadas seguintes por Frank Sinatra, Cher, Madonna, Sepultura, Amy Winehouse e muitos outros cantores. 
 
Hoje, por São Paulo, caminha a jovem estudante Ana Cláudia Benevides, mostrada aqui numa imagem da designer gráfica Daniela Vianna. Nesta típica morena brasileira qualquer artista pode notar um detalhe tão estimulante quanto o caminhar da moça de Ipanema. A cor de seus cabelos é a mesma usada  nos retratos de príncipes e nas batinas de religiosos desde a Idade Média. Apreciada pelos poetas melancólicos do século XIX, a cor reapareceu na Art-Déco e no Expressionismo, por volta de 1920.
 
Nos anos de 1950 motoqueiros e roqueiros a adotaram em suas roupas. Assim como, mais tarde, juízes de futebol, jovens darks, o cineasta Bergman e o fotógrafo Cartier Bresson. Atualmente ela é cor considerada mais sedutora pelos fabricantes de peças íntimas do vestuário feminino. Sobre ela o medievalista erudito Michel Pastoureau  escreveu o ensaio “Preto, a História de Uma Cor”.     
 
Portanto, ao ver passar esta cor, perto dele, em alguma calçada, nos cabelos de Cláudia,  quem sabe um artista paulistano não esteja criando, neste momento, outro hino de louvor a um detalhe do cotidiano que, valorizado, torna a vida exuberante.  
 

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