“Quem vê a foto pronta não faz ideia do que estava por trás. Sempre parece que você desceu do carro fumando um charuto e fez a foto quando, na verdade, é uma loucura. Não há glamour nenhum na fotografia de natureza. É tudo muito bonito, mas você sofre para chegar lá e enfrenta toda sorte de perigos.” Quem diz isso é Araquém Alcântara, catarinense criado em Santos, um dos principais nomes da fotografia de natureza do País, o primeiro a percorrer todos os parques nacionais e que já passou por poucas e boas cara a cara com bichos, num monomotor em queda ou como refém de índios caiapós.
Por muitas vezes achou que fosse morrer, mas nunca, desde que fotografou a primeira onça, em 1979, ele ainda um fotógrafo freelancer contratado pela Goodyear para um trabalho na Amazônia, pensou em desistir. Já são quase 50 anos de carreira (na verdade, 48, mas ele já festeja a data redonda porque, como diz, “ninguém sabe o dia de amanhã”), mais de 50 livros, workshops, viagens e mais viagens no horizonte – e nenhuma vontade de se aposentar.
“É uma coisa quase obsessiva. Sabe quando você já está dentro da cauda do cometa? Não tem saída. É um amor incomensurável pela natureza e pelo povo. Quando estou na cidade, já estou preparando a saída”, diz o fotógrafo de 67 anos que tem mil planos na cabeça – um deles é fazer o seu mapa do Brasil, não de lugares, mas das pessoas que conheceu em sua caminhada; outro é reunir suas paisagens em livro.
Antes disso, porém, ele lança, dia 17, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Bicho Brasil, com as fotos mais emblemáticas que fez depois daquela primeira e famosa onça-pintada de Manacapuru. As mais recentes são do ano passado – uma iguana, uma suçuarana, uma jaguatirica, outra onça-pintada, uma biguatinga e uma maria-faceira. Fotos feitas no Pantanal, em Canudos, nas Dunas do Rosado, na Amazônia e em muitos cantos esquecidos do País.
O livro, pelas contas do fotógrafo o seu 52º, inaugura o selo TordesilhasClick, que surge com a promessa de publicar títulos de fotografia usando o melhor papel, a melhor impressão, acabamento primoroso e preço baixo. O volume de Araquém sai em capa dura, formato pequeno, 120 páginas, 72 fotos e preço de uma ficção comercial: R$ 39,90.
“Com o preço alto, o livro de fotografia acaba ficando circunscrito às prateleiras temáticas das livrarias, às sessões exclusivas e segmentadas da loja. Um dos objetivos da coleção é fazer esse produto ocupar a mesa dos lançamentos, vir para a frente da loja e convidar o leitor a apreciar um livro encantador, que ele pode comprar”, explica Antonio Cestaro, diretor-geral do Grupo Alaúde.
A ideia é publicar três títulos por ano e o próximo será Guerreiros do Tempo, de Ricardo Stuckert, que nos últimos 20 anos registrou o cotidiano de várias tribos indígenas.
O editor conta que começou a série com Araquém por causa do rico acervo do fotógrafo. “Além disso, ele é apaixonado por livros e um dos raros profissionais da área que têm no currículo obras que já venderam centenas de milhares de exemplares”, completa Cestaro.
Araquém gosta mesmo de livros – em todos os sentidos. Na adolescência, chegou a pensar em ser escritor. O gosto pela palavra o levou à faculdade de jornalismo e ele começou a carreira como repórter no jornal Cidade de Santos e depois seguiu, ainda escrevendo e mais tarde fotografando, para a sucursal do jornal O Estado de S. Paulo em Santos – de onde saiu apenas para se dedicar integralmente à fotografia.
Aprendeu muito do que sabe com alguns “mestres da pesada”. Ariano Suassuna, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Glauber Rocha, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Erico Verissimo. “Fui com esses mestres no coração e fui sempre levado ao mais profundo. Com eles, comecei a fazer o meu mapa, o meu percurso pelo Brasil”, conta.
Foi com Guimarães Rosa, por exemplo, que ele aprendeu uma importante lição – que ele explica ao falar sobre os bastidores de suas fotos. “Quando consigo vencer aquela distância de segurança que o bicho impõe, é realmente uma experiência mística. É um encontro com o sagrado. Eu perco 99% das minhas fotos, mas aquele 1% corrige tudo sob o céu. É um raro e definido prazer e acho que é por isso que continuo fotografando e jamais vou me aposentar. É a eterna busca da beleza. E a beleza é o tao. A beleza é Deus. A beleza é a verdade absoluta. E isso acontece inesperadamente, sempre no meio da travessia e não na chegada, como dizia o Rosa.”
Araquém trocou a palavra pela imagem há quase 40 anos, mas segue, com seus livros, contando uma história. “Eu me considero um intérprete do Brasil. A minha fotografia é totalmente voltada para compreender, celebrar e se horrorizar, para provocar. Meu trabalho, que chamo de crônica da beleza e do horror, é mostrar que é possível manter esses santuários para gerações futuras.” Isso tudo ele deixa registrado nos ensaios desses fotolivros.