Estadão

A estreita ligação entre o samba e a comunidade

As escolas de samba do Rio de Janeiro, por intermédio de seus sambas de enredo, contam uma história que remonta ao começo do século 20. É isso que mostra o livro <i>Sambas de Enredo – História e Arte</i>, escrito pelos pesquisadores Luiz Antonio Simas e Alberto Mussa. Lançado originalmente em 2009, o livro ganha agora edição revista e ampliada.

Em uma extensa pesquisa, os autores demonstram como os sambas de enredo, o único quesito a valer pontos desde o princípio dos desfiles das agremiações do Rio, foram – e ainda são – importante expressão das comunidades do samba. Fora isso, os sambas das escolas perpassam não apenas a trajetória do carnaval, mas também as questões políticas e sociais do País.

<b>ADAPTAÇÕES</b>

Nos primórdios, aponta o livro, nomes como Cartola, Bide, Ismael Silva, Carlos Cachaça, Silas de Oliveira e Paulo da Portela deram formato ao gênero que, ao longo do tempo, passou por adaptações em sua estrutura melódica – até chegar a esse samba mais corrido, feito para o espetáculo da transmissão televisiva.

Apesar de raramente sobreviver ao período carnavalesco como antigamente, o samba de enredo hoje ainda é o ponto central nos desfiles. "Ele tem de atender ao enredo e se encaixar nos princípios da bateria. Quem vai assistir, mesmo que não tenha um envolvimento afetivo com as escolas, pode se encantar pelas histórias, umas mais fáceis, outras mais complexas, e deixar-se contagiar pelo ritmo", explica Mussa.

Simas também entende que o samba de enredo se dá para além dos ensaios nas comunidades, na hora do desfile. Por isso, ele sempre evita qualquer avaliação antecipada. "Ele acontece – ou não – na avenida. E precisa fazer sentido para a comunidade. Ele é feito para que três mil pessoas o cantem, em uníssono, carregando 20 quilos de roupa, enquanto caminham", avalia Mussi.

<b>MUDANÇAS</b>

Entre os anos 1960 e 1980, era muito comum que artistas de fora do mundo do samba, identificados com a chamada música popular brasileira, gravassem, para projetos especiais ou para seus discos de carreira, versões de sambas de enredo consagrados nos desfiles.

O registro de Caetano Veloso para <i>É Hoje</i>, da União da Ilha, de 1982, se tornou indissociável de seu repertório, assim como a gravação que Simone fez para <i>O Amanhã</i>, de 1978, da mesma agremiação. Elis Regina e César Camargo Mariano mostraram seu jeito de tocar samba ao registrarem <i>Alô, Alô, Taí Carmen Miranda</i>, do carnaval da Império Serrano de 1972. Até Chico Buarque gravou um, <i>Lendas e Mistérios da Amazônia</i>, que a Portela apresentou em 1970.

Mussa vê com simpatia essas gravações. "Talvez elas não tenham sido responsáveis pela grande difusão desses sambas de enredo, mas os consolidaram como obra de arte. Em geral, os artistas saíam do modelo escola de samba, gravavam em outro ritmo e tonalidade e cantavam de jeito diferente do puxador. E mostravam que os sambas não eram bonitos só em um desfile. Tinham valor fora daquele ambiente", diz.

A partir da década de 1990, que coincide com um período em que os autores do livro definem como "encruzilhada" para os sambas de enredo – que dura, ainda segundo eles, até 2009 -, essas gravações ficaram mais raras.

É verdade que sambas como <i>Peguei um Ita no Norte</i>, apresentado pelo Salgueiro em 1993 – o de refrão "explode coração/ na maior felicidade" -, é quase obrigatório em qualquer bloco do carnaval. Mas, na avaliação de Mussa e Simas, é um exemplo clássico de samba de enredo que se tornou apenas funcional, feito para levantar o público, sacrificando a melodia e a criatividade.

<b>CRISE ESTÉTICA</b>

Como posfácio desta nova edição, os autores fazem uma análise dos anos 2010 para cá, quando, na avaliação deles, as escolas começaram a vencer a crise estética. Nem tudo, porém, saiu em perfeita harmonia. Diante de dificuldades econômicas, algumas agremiações atravessaram o samba ao se renderem a enredos patrocinados.

A história do gás, do iogurte, de raças de cavalo e de cidades sem nenhuma ligação com o carnaval foram parar na avenida. "Foi um momento ruim. Essa atitude gera uma desconexão com a comunidade", avalia Simas. Segundo ele, com o fim desses patrocínios, a criatividade se impôs, sobretudo pelas mãos dos carnavalescos.

"Hoje, há enredos afros muito interessantes, ou que contam a história do Brasil de outra perspectiva, com personagens de fora da história oficial. Houve, sim, melhoria. E, paradoxalmente, ela aconteceu em um momento de crise. Quando o fluxo de caixa diminui, a ousadia cresce", afirma.

Para Mussa, os sambas de enredo ainda podem voltar aos seus tempos de glória. Precisam abandonar, por exemplo, os tais "escritórios" – grupos de compositores sem ligação com as comunidades.

Algo que deixaria bambas do gênero como Silas de Oliveira, Cartola, Carlos Cachaça, Mano Décio, Martinho da Vila e Dona Ivone Lara, no mínimo, envergonhados. "Neste 2023 não temos uma boa safra. Se você ouvir o álbum do grupo especial do Rio do começo ao fim, terá a sensação de estar ouvindo a mesma música. Uma tendência em repetir estilos, ruim para o futuro das escolas de samba", avalia ele.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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