Quem por imposição profissional trabalha próximo a cantores e músicos, às vezes, precisa de muita paciência para suportar o estrelismo deles. No seu livro “A vida é um show” o diretor de programas de televisão Guga de Oliveira revela uma das situações que desafiaram a tolerância dele. Durante a gravação de um programa especial de Roberto Carlos, numa quinta-feira, Maria Betânia, artista convidada, impôs a ele que arranjasse outra roupa para ela, diferente daquela colorida preparada cuidadosamente, com antecedência, porque a gravação do número musical dela foi iniciada já na madrugada da sexta-feira. E, naquele dia da semana, explicou a cantora, ela só podia usar roupa branca, pois, era adepta de uma religião afro-brasileira. Quando àquela hora, com muito custo, a produção do programa conseguiu, finalmente, uma roupa branca, a cantora, então, acrescentou que ela só poderia usá-la depois que um pai de santo a benzesse.
Não só de chateações, porém, são preenchidos os dias de quem convive com estes artistas. Há recompensas. Como, por exemplo, de poder assisti-los mostrando o melhor de si mesmos para um reduzido número de ouvintes, em geral, distraídos técnicos e assistentes de produção, quando, nos ensaios de um programa de televisão, eles resolvem celebrar o encontro com outro artista.
Para quem está próximo dele, Chico Buarque oferece outro tipo privilégio. Brilhante frasista, ele têm momentos de criações espontâneas apreciadas apenas por quem vive nos bastidores de emissoras de televisões e de teatros. Um dia, ele assistiu, junto com Caetano Veloso, a um programa da TV Record, gravado muitos anos antes. A imagem dos dois, em início de carreira, provocou o comentário anti-clichê típico da produção textual dele: “Como nós éramos velhos, Caetano!”, disse ele, com sabedoria e perspicácia. De fato, Caetano, com camisa de gola rolê, e, ele, de paletó, pareciam, na gravação, ter mais idade, naquela época.
Outra vez, Chico, brincalhão, simulou uma queixa, para quem estava perto dele, relacionada com os comportamentos mais tolerantes da educação atual. Argumentou: “Quando eu era criança, apenas os adultos tinham direitos. Quando eu me tornei adulto, só as crianças têm direitos”. Com fingida indignação, ele, então, indagou: “Afinal, quando vai chegar a minha vez?”
Com este comentário bem-humorado, Chico talvez tenha encorajado algum profissional a continuar enfrentando o vedetismo dos artistas. Mas ele poderia já estar esquecido, hoje, se, há poucos dias, o psicanalista italiano Contardo Calligaris não tivesse publicado um relevante artigo intitulado “Felicidade e alegria”.
Certamente, sem conhecer o comentário de Chico, ele escreveu: “Quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes”. Contardo concluiu: “Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de outra época da vida – que ainda não chegou ou que já passou”.
Como se antevisse uma pergunta semelhante à do brincalhão Chico, o psicanalista afirmou: muito melhor do que ser feliz é ser alegre. E ser alegre – ele esclareceu – é gostar de viver, mesmo quando as coisas não dão certo.