Se você foi a algum show de música popular brasileira nos últimos 40 anos, certamente já viu Jorge Helder no palco acompanhando o cantor (ou cantora) com seu contrabaixo. E, mesmo que você não vá a shows, certamente ouviu algum álbum em que seu instrumento esteja lá, sustentando a harmonia – a conta já passa de 350, entre trabalhos de nomes como Chico Buarque, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Rita Lee, Roberto Carlos e Adriana Calcanhotto. A turma que se aproximou da música recentemente, por meio das lives, também teve contato com o som de Helder – ele acompanhou Elza Soares na apresentação online Elza In Jazz, em julho. Agora, o músico tem um trabalho para chamar de seu: Samba Doce, seu primeiro álbum, que o Selo Sesc acaba de lançar nas plataformas digitais.
O texto de apresentação do disco é assinado por Caetano Veloso, que Helder acompanhou em álbuns como Livro e A Foreign Sound. Escreve Caetano sobre Samba Doce: "encontram-se a doçura e a mordacidade harmônica: aquela nunca é sufocada por esta". E completa: "a música brasileira está em festa com esse lançamento. O samba-jazz mais do que redime-se: reinventa-se e purifica-se. Jorge é um dos pontos altos da nossa música popular".
Helder não rejeita os elogios e os retribui, com um sentimento de coletividade de quem sabe que a música é a arte do encontro. "Caetano me chama de doce Jorge, mas ele é um doce. Ele é atencioso e respeitoso com os músicos. A forma que ele fala do meu CD me deixou emocionado", diz Helder, que começou o projeto de Samba Doce em 2013.
Ao longo desses anos, foi matutando para que cada uma das dez faixas – todas compostas por ele, sozinho ou com parceiros – encontrasse seus executores certos. "Tom Jobim dizia que usava muito mais a borracha do que o lápis para fazer música. Quis juntar meus amigos, mas com o cuidado de escolher quem se encaixava melhor em cada canção, qual formação contribuía melhor para o resultado. Isso que deu a energia, a alegria", explica.
A "demora" também se deveu ao fato de que Helder fez questão de que todos os participantes recebessem pelo trabalho, mesmo que muitos deles não quisessem – o que fez com que as coisas andassem no ritmo com que o dinheiro aparecia, já que tudo foi feito com recursos próprios. "A vida de músico no Brasil não é fácil, sei bem disso", afirma. Ao todo, 40 participam do álbum.
Essa festa que a música proporciona começou cedo para Helder. Nascido em Fortaleza (CE), aprendeu a tocar violão aos 9 anos com a tia paterna, proprietária de uma escola de música. O bandolim foi com o pai, fã de chorinho – com ele, conheceu Pixinguinha e Jacob do Bandolim – e organizador de serestas. Na adolescência, incentivado pelo irmão, fã dos Beatles, aproximou-se do rock e fez cover de grupos como Led Zeppelin e Rush. De música nordestina, lembra de ouvir com afinco um disco do grupo de forró Os 3 do Nordeste, fascinado com a música É Proibido Cochilar. "Toda a música que eu ouvia, queria aprender. Nunca tive preconceito e até hoje sigo essa linha. A música tem que me emocionar, seja qual ritmo for."
Ao terminar o segundo grau, Helder se mudou para a capital federal a fim de estudar música na Escola de Música de Brasília (EMB). Decidiu-se pelo contrabaixo. E, apesar de ter estudado o clássico, queria o popular. Formou uma banda instrumental funk e logo começou a tocar com artistas da cena local, como Zélia Duncan e Cássia Eller, além de conviver com os músicos de Capital Inicial, Plebe Rude e Os Paralamas do Sucesso.
A primeira artista a convidar Helder foi a cantora, compositora e violonista baiana Rosas Passos, no início dos anos 1980, ainda em Brasília. "Com a Rosa aprendi a tocar bossa nova", diz. Os dois viraram amigos, compadres e parceiros, já que Inocente Blues, quarta faixa do álbum Samba Doce, leva a assinatura de ambos.
"Foi algo bem incomum. Eu sou melodista, mas ele me deu a música e pediu para que eu botasse a letra. E saiu", diz Rosa. Ela não se surpreende com a trajetória que Helder trilhou na música brasileira. "Jorginho – eu o chamo de meu beiju – sempre foi um grande músico, um instrumentista extraordinário. Eu tê-lo chamado para a bossa, para o samba foi bom para ele e para mim."
Helder chegou ao Rio em 1986, a convite de Sandra de Sá, à época na parada de sucessos com músicas como Solidão e Retratos e Canções. O baixo de Helder está em outro hit, Bye, Bye Tristeza, de 1988. Esse período de mudança para a capital fluminense está representado no álbum pela faixa instrumental Outubro 86, na qual ele chamou o guitarrista Nelson Faria e o pianista Rafael Vernet, antigos companheiros de banda, para acompanhá-lo.
No Rio, Helder estabeleceu duradoura relação de trabalho e companheirismo com Chico Buarque, que começou em 1993. Em 2006, Chico letrou Bolero Blues, faixa que ganha nova versão no álbum, com participação de Chico e da banda que costuma acompanhá-lo. Outra da parceria de Helder, a marcha-rancho Rubato, de 2011, é cantada por Renato Braz. A terceira delas, o bolero Casualmente, de 2017, coube ao grupo Boca Livre.
O álbum Samba Doce também tem parceria de Helder com Aldir Blanc (morto em maio), do início dos anos 2000. A canção Dorivá é uma homenagem a Dorival Caymmi, com participação de Dori, filho do compositor baiano, e da Orquestra de Cordas de São Petersburgo, que executa os arranjos escritos por Mario Adnet. A canção só havia sido registrada anteriormente pela banda The Ipanemas, que tinha o baterista Wilson das Neves como um dos componentes, no álbum Call of the Gods, de 2008.
Com Samba Doce, um dos seus sonhos, já nos meios digitais, Helder anseia por novos encontros. Deseja trabalhar mais com Gilberto Gil, com quem só gravou, mas ainda não subiu ao palco.
Enquanto os shows não voltam, Helder segue em busca por novos caminhos. Mesmo antes da pandemia, ele já pensava em alternativas, já que medalhões com quem ele toca, como Chico e Bethânia, têm desacelerado o ritmo nos últimos anos. Aulas – agora online – e produção são algumas opções. "Cada músico tem uma história e seu jeito pessoal de se virar. Eu estou tentando fazer dessa forma."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>