Robert Israel está encantado com os jovens músicos da Orquestra Sinfônica de Heliópolis. “Você é daqui, sabe das dificuldades que eles enfrentam, num meio marcado por dificuldades econômicas e sociais. Mas são muito talentosos e possuem algo muito importante: entusiasmo, vontade de fazer. Muitos deles poderão chegar a ser grandes profissionais e, se não conseguirem espaço no Brasil, deveriam tentar o exterior.” E Israel prossegue: “Pode ser que a Sinfônica de Berlim ou a de Nova York apresentassem performances tecnicamente mais apuradas, mas o que o público vai ver é condizente com o próprio filme, uma vitória da afirmação do espírito humano”.
O compositor e regente refere-se à apresentação do filme de encerramento da 40.ª Mostra. A General terá sessão ao ar livre na noite de quarta, 2, após a cerimônia de premiação, no Parque do Ibirapuera. Será a terceira vez que a orquestra do Instituto Baccarelli se apresenta na Mostra. As anteriores foram durante a 39.ª Mostra, ano passado. A primeira, no próprio Ibirapuera, sob a regência do maestro norte-americano David Michael Franck, durante a exibição de Meu Único Amor. A segunda, na Sala São Paulo, após a projeção de Tudo o que Aprendemos Juntos, de Sérgio Machado, que dramatiza a experiência de criação da própria orquestra. Desta vez, ela volta ao parque, sob a condução de Robert Israel, para apresentar a nova trilha que o maestro e arranjador compôs para o clássico de Buster Keaton e Clyde Bruckman, de 1926.
Israel considera-se “lucky”, privilegiado. “Em 2002, fiz uma primeira partitura para A General, mas foi uma coisa pequena, para oito músicos apenas.” Foi no lançamento das versões restauradas de clássicos de Buster Keaton. Como A General era de seus filmes mais conhecidos, os responsáveis pela coleção preferiram investir em outros títulos. A General foi o filme que mais vendeu e Israel foi cooptado a compor nova trilha – que vai apresentar pela primeira vez em São Paulo. Há um culto ao filme. Nos anos 1970, ao fazer a apresentação de A General num canal aberto de TV dos EUA, ninguém menos que o grande Orson Welles disse que era uma das grandes comédias do cinema e o maior filme sobre a Guerra Civil norte-americana. Exatamente 90 anos depois, a obra-prima silenciosa encerra, em alto estilo, a Mostra que já apresentou outra visão daquela guerra, com O Nascimento de Uma Nação, de Nate Parker.
A General conta a história de um maquinista de trens no Sul dos EUA. Ele tem dois amores – a namorada, que se chama Annabel, e a General, que não é senão a locomotiva sob sua responsabilidade. Buster Keaton, que faz o herói, resolve se alistar na Guerra, mas o Exército o recusa, porque é mais importante tê-lo como maquinista. A garota rompe com ele, porque pensa que é covarde. A General é sequestrada por espiões nortistas (com Annabel dentro!) e Keaton parte desesperado para resgatar as duas. O filme é uma obra-prima de humor. Keaton, o homem que nunca ria, faz toda uma coreografia correndo no teatro do trem.
Israel mostra para o repórter, no laptop, a partitura lírica que criou para a cena. “Agora veja a mudança de tom”, adverte. Na tela, entra outro trem perseguindo a General. A música torna-se de suspense. Para servir ao filme, Israel muda. Admirador do cinema mudo, diz que o desafio é sempre ajustar-se ao que já é perfeito. “Confesso que já vi A General centenas de vezes. Encanta-me a maneira como a histórias é contada. Não tem um só frame supérfluo. E é engraçada, sempre.” Servir à imagem sem se tornar uma muleta nem exagerar na emoção. É o que você vai ver/ouvir hoje à noite. Clyde Bruckman, o codiretor, era depressivo. Marginalizado na indústrias, perdeu espaço. Matou-se no banheiro de um restaurante, quando não tinha dinheiro para pagar a conta. “Um homem com essa história fez um filme que não perdeu a capacidade de encantar.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.