Mundo das Palavras

A graça do cotidiano

De um lado, a sombria inquietação de um psicanalista, Contardo Calligaris. De outro, a empolgação do homem de comunicação de massa, Nizan Guanaes. Naquilo que escrevem sobre os jovens atuais, no mesmo jornal, a Folha de S. Paulo, os dois mostram posições contrastantes. 


Segundo Contardo, os pais, hoje, se queixam de que os filhos adolescentes “vivem por inércia, sem rumo e projeto”. Não buscam um sentido para a vida. “Eles não estão a fim de nada que preste, não tem uma causa, uma visão de futuro”, se queixam os pais, escreveu o psicanalista.


Já para Nizan os jovens têm sim uma grande causa. Eles estão empenhados em mudar o mundo. Suas armas são telefones celulares, câmaras digitais e redes sociais. Um dos artigos do publicitário foi iniciado com o seguinte alerta: “Atenção! Se o seu filho, como os meus, frequentemente não escuta o que você diz e vive de cabeça baixa, batucando os dedos freneticamente no smartphone, ele pode estar tramando uma revolução”. Esta revolução “que derruba todas as barreiras à frente”, diz Nizan, é o fluxo ilimitado e incessante de informações, de pessoas, de produtos trazidos pela internet do qual pode participar qualquer um, desde sua casa. O publicitário afirma ainda: a internet gerou uma “ola” (onda) global, como aquela que levanta os torcedores num estádio de futebol. E, se tornou um marco histórico de organização popular horizontal, transnacional, digital e jovem.


Quem está certo? Contardo que conta com seus estudos na área da Psicologia, e, dentro dela, especialmente, com os de Psicanálise? E, além disto, com a experiência de consultório, que lhe permite ouvir  pais e filhos expressando como se sentem? Ou Nizan que conta com as pesquisas de comportamento nas quais os publicitários apóiam seus trabalhos? E, além disto, com as observações que pôde fazer no 7° Fórum da Juventude da Unesco, do qual participou como embaixador da Boa Vontade?


Independentemente de quem esteja com a razão, visões tão distintas sobre um mesmo grupo humano já se constitui por si só uma questão intrigante.  Resultará tal discrepância do fato de que, por dever de ofício, um publicitário se apega à exterioridade circunstancial, momentânea, enquanto um psicanalista estuda a subjetividade profunda, quando tratam do comportamento humano?


Ainda que, eventualmente, seja Nizan quem tenha razão, Contardo, no desdobramento do seu raciocínio sobre o suposto desinteresse dos jovens de hoje em buscar um sentido para a vida faz, de qualquer forma, a pergunta mais interessante neste confronto de idéias. Ele pergunta: mas, a vida precisa de sentido? O próprio Contardo responde: não. E, acrescenta: “A vida se justifica por si só… ela pode ser seu próprio sentido”. Os jovens e todos nós, diz ele ainda, só achamos que a vida não se basta quando os gestos cotidianos perdem sua graça. Porém é na trivialidade do dia a dia que a vida esconde seu encanto, ele conclui.


Não é difícil entender isto. Afinal, no trivial há transcendência, há grandeza, aquela que nos dá o mergulho numa aventura única: a de existirmos.  


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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