A instalação da Ditadura Militar, após a derrubada do presidente eleito João Goulart, completará meio século no próximo ano. E todo este tempo decorrido desde então não foi suficiente para que os cientistas sociais pudessem obter um conhecimento mais amplo acerca dos malefícios que trouxe para os vários aspectos da vida do país a falta de liberdades democráticas naquele período de duas décadas inaugurado com a deposição de Goulart.
Se sociólogos e cientistas políticos, com o domínio de conhecimentos específicos, não conseguem encerrar este triste balanço, muito menos conseguirá fazê-lo a população em geral sobre quem desaba até hoje o peso daqueles malefícios.
A ditadura militar brasileira terá assassinado pelo menos quatro centenas de pessoas nas suas prisões políticas. Número de crimes superado centenas de vezes pelos cometidos pela ditadura militar argentina, do mesmo período. No entanto, enquanto nossos vizinhos já colocaram na cadeia inclusive os chefes militares que comandaram o país deles naqueles anos, nós sequer conseguimos até agora saber quais foram os responsáveis diretos pelo assassinato do deputado Rubens Paiva, dentro dos órgãos de repressão.
Mas não só de dados factuais se ressente o conhecimento já acumulado sobre esta atormentada fase da nossa História recente. Há um conhecimento mais sutil, mais complexo, mais profundo, de que carecemos mais ainda. O conhecimento dos males que não se esgotaram num fato ou num conjunto de fatos delimitáveis no tempo. Como, por exemplo, aqueles provocados no desenvolvimento das pesquisas nos laboratórios das universidades, os quais resultaram no empobrecimento do conteúdo do ensino superior fornecido a muitos jovens durante todos esses anos.
Há poucos dias, com o acesso a documentos oficiais só agora liberados, foram confirmados situações de opressão em regiões muito afastadas dentro do Brasil, as quais deixaram apenas entrever a extensão daqueles outros males. No interior de São Paulo, a polícia política manteve alunos e professores de uma universidade evangélica, a Metodista de Piracicaba, submetidos a vigilância permanente nos anos de 1980. E, no interior da Amazônia, em Belém, o físico José Maria Bassalo foi impedido durante quase trinta anos pela Polícia Federal, de aceitar todos os convites que recebeu de universidades da França, dos Estados Unidos e do México para que ele se juntasse a seus pares no Exterior no prosseguimento de suas pesquisas.