Mundo das Palavras

A imagem da educadora

Os brasileiros bem informados que tiveram de suportar os anos de Ditadura Militar, decorridos a partir dos anos de 1960, certamente experimentaram o horror provocado pelas imagens de universitários, professores, jornalistas e operários mortos, sob torturas, nos órgãos de repressão política da época. Estas imagens foram divulgadas, inicialmente, só através da chamada Imprensa Alternativa, ela própria perseguida pela Censura Federal. Porém, mais tarde, puderam ser  conhecidas amplamente, quando a Grande Imprensa recuperou sua liberdade.


O modo animalesco como aqueles irmãos nossos – presos porque ousaram enfrentar a Ditadura Militar – foram supliciados e assassinados ficou registrado em seus corpos. Nos olhos vazados, nas orelhas decepadas, nas peles queimadas por choques elétricos e chamas de cigarros. Este horror pode ser experimentado, hoje, no Memorial da Resistência, da Estação da Luz, onde está em exibição permanente.


Nenhuma daquelas imagens, no entanto, causa a dor no coração provocada pela foto de uma senhora detida pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mais violento da polícia política. No peito dela está a placa com números que a identifica como prisioneira. Mas, ela não disfarça um risinho irônico quando olha intensamente para o fotógrafo.


Quem a vê pode ter uma compreensão imediata da estupidez imensa de que foi capaz o regime ditatorial. Aquela senhora é Maria Nilde Mascellani, responsável pela mais feliz experiência pedagógica já surgida nas escolas públicas de São Paulo: a rede de ginásios vocacionais administrada sob a inspiração e os cuidados dela, nos anos de 1960. A rede se estendia pela capital e pelo interior do Estado e era a concretização dos sonhos de liberdade e criatividade alimentados por adolescentes. 


Dela saíram profissionais que, hoje beirando os 50 anos de idade, se destacam no Jornalismo, no Teatro, na Música e no Cinema do nosso país. Foi graças a um deles, o diretor de Cinema Toni Venturi, que as fotos e as imagens em movimento feitas nos ginásios vocacionais de Maria Nilde, ainda preservadas, puderam ser enriquecidas com depoimentos atuais de seus ex-alunos no documentário “Vocacional: uma aventura humana”.


No documentário, chama a atenção aquela imagem de Maria Nilde feita na Delegacia de Ordem Política e Social, quando tropas militares já tinham invadido os ginásios vocacionais, com ordens para concluir a destruição da experiência pedagógica desenvolvida neles. Mas o documentário traz outras preciosidades históricas, como a revelação do motivo pelo qual Maria Nilde foi mantida por 30 dias numa cela solitária: Fleury quis ofendê-la moralmente e levou um tapa na cara.                  

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