No seu guia de filmes, Leonard Maltin é inclemente com “O Homem da Mancha”. Diz que o belo material original – o romance clássico da Cavalaria de Miguel de Cervantes, adaptado por Dale Wasserman – é “estuprado, morto e queimado” pelo diretor. Pobre Arthur Hiller. Em 1972, ainda era recente o fenômeno “Love Story”, de dois anos antes, quando o best-seller de Erich Segal foi objeto de uma operação de marketing infalível. Nos anos seguintes, outros filmes e livros foram transformados em megassucessos – e o caso mais notável, no mesmo ano do musical de Hiller – foi “O Poderoso Chefão”, que Francis Ford Coppola adaptou do livro de Mario Puzo.
Hiller nunca foi um grande diretor, mas tem bons filmes no currículo, antes e depois de “Love Story”. “Não Podes Comprar Meu Amor”, com Julie Andrews, é um dos grandes filmes de guerra do cinema e “O Expresso de Chicago”, um dos grandes disaster movies, narrado com verve satírica, o que era raro nesse tipo de produção. Mas, então, de onde vem o desprezo pelo Dom Quixote de Hiller? Maltin não é o único a bater no filme, e no diretor. Jean Tulard, no Dicionário de Cinema, diz que o filme é ridículo.
Em 1957, o mítico Nikolai Cherkassov – de “Alexandre Nevski” e “Ivan, o Terrível”, ambos de Sergei M. Eisenstein -, foi o Quixote de Grigori Kozintsev. Em 1973, um grande bailarino, Robert Hellpmann, foi o cavaleiro na versão dançada, muito boa, que Rudolf Nureyev e ele codirigiram. Nos anos 2000, surgiu a mais bela de todas as versões, a de Albert Serra, Honor de Cavelleria. Quixote, Sancho Panza, a paisagem descarnada, o ruído das armaduras. Na versão de Hiller/Wasserman, Cervantes, preso durante a Inquisição, conta a história do Quixote a seus companheiros de cela. Peter OToole, Sophia Loren e James Coco fazem todos papéis duplos. Horrível? O National Board of Review foi na contracorrente e considerou o filme um dos dez melhores do ano. OToole foi melhor ator. É pungente cantando The Impossible Dream. “To dream…/To fight the unbeatable foe/To run with unbearable sorrow…” De alguma forma, o filme passa essa “insustentável tristeza”. Não é pouco. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.