Penso em Luis Fernando Verissimo como alguém que leva às últimas a recomendação de José Carlos Oliveira: “Palavra é sangue. Não se derrama.”
A frase do falecido cronista capixaba vem a propósito do escritor, mas também do desenhista de traço despojado, e mais, do próprio Verissimo, artista capaz, como poucos, de ir ao ponto com um mínimo de meios. Para quem espera jorros verbais, entrevistá-lo é experiência angustiante – mas posso atestar: o que ele diz, de tão desossado, já é texto pronto, sem carência de lipoaspiração vocabular.
Verissimo por certo faria este texto usando menos palavras para dizer mais e melhor. Aí está uma de suas marcas mais poderosas, explicação para a força de uma obra que, embora feita no sufoco dos prazos jornalísticos, tantas vezes é capaz de atravessar o tempo sem rugas nem sépia. A musa, disse ele, é o deadline do jornal. E o capricho tanto vale para uma historinha bem-humorada como para o comentário grave.
Faça a prova: tente cortar, no que o Verissimo escreve ou desenha, uma só vírgula, um só traço que esteja sobrando. Ou, ao contrário, acrescentar o que lhe pareça faltante. Parada torta. A menor coisa, ali, está em condições de justificar presença, provando ser indispensável. Quanto à substância, até o pouco rende muito. Nosso maior cronista, no ramo há quase meio século, é como um cozinheiro que, dispondo apenas de água e sal, faz uma bela bacalhoada.
Que ninguém se deixe enganar pela aparente facilidade do texto do Verissimo. Trata-se de um mestre naquilo que o poeta Hélio Pellegrino chamou de “a difícil arte de escrever fácil”. E, claro, não chegou a tanto sem antes dominar as virtualidades da língua. Só assim pode um autor tomar liberdades para a criação literária.
“A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”, escreveu Verissimo em O Gigolô das Palavras. Mas certamente não é coisa para amadores. “Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel”, compara ele. “Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção.”
A intimidade com as palavras, por outro lado, é que permite a Verissimo – essa “fábrica de fazer humor”, no dizer do cartunista Jaguar, mas também reflexão – aventurar-se, por exemplo, com enorme graça, na deliciosa brincadeira de esvaziá-las do sentido original, substituindo-o por algum mais adequado. Como quem procurasse uma ostra melhor para determinada concha.
“Falácia”, por exemplo, a seu ver leva mais jeito de flor: um canteiro de falácias.
Proponho a você entrar na brincadeira e batalhar na garimpagem de significado mais exato para o superlativo “veríssimo”. Que tal um substantivo que dê a ideia de craque da palavra? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.