Mundo das Palavras

A Justiça fora de ordem

Alguma coisa está fora de ordem, como na letra da música de Caetano Veloso, quando o padre se torna pedófilo, o professor persegue injustamente seu aluno, o médico usa abusivamente a privacidade de seu consultório contra sua paciente. E esta coisa fora de ordem perturba tanto a ordem externa a nós, a social, como a outra, aquela interiorizada em cada pessoa, a que nos põem de pé psicologicamente, dando-nos ânimo para trabalhar, estudar, amar. Para, enfim, conduzir nossa existência confiando no ser humano, no  ambiente coletivo, em Deus, quando somos crentes.
 
Mas raras são as coisas fora de ordem com poder de nos embaralhar tanto a mente e oprimir nossas almas como um juiz desequilibrado, suspeito, injusto. Como evitar um profundo sentimento de perturbação, desamparo e revolta quando um Homem da Justiça se mostra arbitrário, prepotente, imprevisível e corrupto? Afinal, não é com o juiz que contamos quando até o padre, o professor e o médico se descaracterizam naquilo que deveria ser o exercício de seus ofícios? Ele é quem pode conter e punir tais criaturas. Contudo, se o próprio juiz revelar que não preza nem mantém, no seu modo de agir, as características que identificam sua profissão, à qual instância podemos apelar para mantê-lo dentro da ordem mencionada pelo poeta e músico baiano? 
 
É óbvio que, sem o império do senso de Justiça, não há possibilidade de ordenação social equilibrada, nem de paz íntima nos cidadãos. Por isto, se tornou admirada por muitos brasileiros, a ministra Eliana Calmon, quando, entre os anos de 2010 e 2012, ocupou o cargo de Corregedora-geral da Justiça, no Conselho Nacional de Justiça. Ela travou um corajosa luta contra o que chamou de “bandidos de toga”. No dia 27 de setembro de 2011, por exemplo, embora ressalvasse que a imensa maioria dos dezesseis mil de juízes em atuação no Brasil naquele momento fosse composta de homens honestos, a ministra-corregedora acusou uma minoria deles de serem criminosos escondidos atrás das posições que ocupavam no Poder Judiciário, conforme foi noticiado pelos principais sites jornalísticos do país.
 
Desde então, como Eliana Calmon, outro ministro da Justiça, Joaquim Barbosa, despertou muita admiração entre nós com sua coragem, ao se empenhar na punição de políticos poderosos que se colocaram fora da ordem dos interesses públicos. E, nos últimos dias, o que parecia um milagre vem sendo exibido pelos meios de comunicação: a prisão dos até hoje ontem intocáveis empreiteiros corruptores daqueles políticos.
 
Poderíamos agora nos sentir abrigados e protegidos pela existência de ordem – daquela ordem imaginada por Caetano. Infelizmente, porém o comportamento do juiz carioca, detido por uma agente de trânsito por circular com carro sem placa nem habilitação, conseguiu um estranho apoio dos seus colegas de magistratura. Numa decisão totalmente decepcionante, incompreensível e inaceitável, a Justiça do Rio de Janeiro puniu aquela funcionária pública com pagamento de multa indenizatória ao juiz transgressor da ordem no trânsito. 
 
 

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