Variedades

A linguagem e o mundo por Nicolas Philibert

No começo dos anos 1990, Nicolas Philibert fez um documentário que teve muita repercussão na França e no mundo, Le Pays des Sourds. Filmando de forma não sentimental o mundo dos deficientes auditivos, ele estabeleceu as bases do seu cinema. O País dos Surdos aborda de forma documentária algo que, como ficção, está em A Família Bélier. Os surdos possuem a sua linguagem de sinais. Como essa linguagem se articula com a das pessoas que podem ouvir – e falar?

Dez anos depois, com Ser e Ter, Philibert logrou extraordinário sucesso nos cinemas brasileiros e é essa trajetória que um ciclo que começa nesta quarta-feira, 11, no CCBB vai recuperar. Numa época em que a cultura do documentário já estava solidificada no Brasil – e o festival É Tudo Verdade contribuiu para isso, por mais que documentaristas como Silvio Tendler e Eduardo Coutinho já estivessem dialogando com o público -, Ser e Ter ficou muito tempo em cartaz no País, no começo dos anos 2000, discutindo as particularidades do sistema de ensino de primeiro grau na França. O que ocorre quando estudantes com diferentes graus de informação e conhecimento, entre 4 e 12 anos, convivem na mesma sala?

Assim como filmara comunidades de surdos, Philibert filmou uma pequena comunidade rural no interior da França, com poucas centenas de habitantes. Ser e Ter são os dois verbos auxiliares do idioma francês e, por meio deles, Philibert toca questões profundas que não dizem respeito somente à linguagem, mas ao ser, à identidade, e ao ter, a base da propriedade no sistema social.
A par de suas qualidades cinematográficas, reconhecidas até no Festival de Cannes, Ser e Ter foi objeto de polêmica na França porque Philibert acompanhou um ano letivo inteiro na escola e, quando o filme estourou, pais e professores foram à Justiça pedindo indenização. A decisão judicial criou jurisprudência, que o objeto de interesse de um documentário, mesmo que seja(m) pessoa(s), não pode ser remunerado. Não apenas nesses casos, os temas da linguagem e da cultura têm estado na obra do diretor que já filmou o Louvre e a Rádio France, e em Nénette documenta uma fêmea de orangotango, natural de Bornéu, que vive com o filhote em zoo de Paris.

No estilo cinema verdade característico do começo de sua carreira, Philibert não interfere na ação e gruda a câmera em Nénette, que viveu mais da metade dos seus 40 anos em cativeiro e é separada do público por um vidro. É intrigante acompanhar o processo de comunicação da mãe com o filho, quando ela, obviamente, lhe está ensinando e cobrando coisas. O filme também documenta as reações do público, que sempre se desconcerta diante desses animais. Afinal, segundo a teoria evolucionista, é deles que descende o homem. A retrospectiva de Philibert resgata um autor importante. Por meio do documentário, ele investiga a linguagem e o mundo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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