Mundo das Palavras

A náusea da traição

Ainda crianças, nós, brasileiros, aprendemos a enausear diante da figura do traidor. Perplexos, nos indagamos: como Judas Iscariodes pôde trocar a vida de Jesus por trinta moedas? E Joaquim Silvério dos Reis? Colaborar com carrascos do herói Tiradentes? 
Quem sabe, estas vivências emocionais precoces não estejam na origem de uma crença generalizada: a de que os brasileiros perdoam mentirosos, medrosos, e, até assassinos. Jamais, quem traia.
 
No âmbito da política nacional não é diferente, assegurava Leonel Brizola, que ao longo de sua vida sempre exerceu ou pleiteou função pública. “Os políticos detestam os traidores”,  ele dizia. Depois, com malícia, acrescentava: “Mas adoram a traição”.   
 
Na verdade, a traição talvez seja mesmo um comportamento inevitável a quem busque alçar qualquer nível de poder político. Pelo menos, no caso do Brasil, cuja estrutura socioeconômica – sabemos – institui permanente traição aos direitos de grande parte da população. “É uma máquina de moer gente”, dizia Darcy Ribeiro. 
 
Não foi à toa que Jean Paul Sartre, na peça “As mãos sujas”, criou um diálogo no qual um militante manhoso diz a um jovem  sonhador idealista: na Política só é eficiente quem “mete a mão  na merda”. Em estrume, certamente, sentiram suas mãos enfiadas, pelo menos uma vez, dois políticos brasileiros do passado: Luis Carlos Prestes, quando apoiou Getúlio Vargas, seu ex-carcereiro responsável pela entrega de Olga Prestes, mulher dele, aos nazistas, grávida. E, João Goulart, ao se juntar, numa frente ampla democrática, a Carlos Lacerda, o mais feroz líder do Golpe Militar com o qual ele foi deposto da presidência da República e viu-se obrigado a viver no exílio.     
 
Golpes baixos, artimanhas e ardis constantes ocorrem na penumbra dos bastidores da luta política. Mas, agora, no Brasil, as tramas traiçoeiras estão debaixo de refletores, no centro do palco da vida nacional. As “delações premiadas” são o novo recurso moralizante com o qual a classe média – concentrada em cargos da Justiça – acredita que vai acabar com a corrupção entre nós. Assim como, décadas atrás, quando coberta por farda militar, surtou em semelhante alucinação.    
 
Um grande maestro da corrupção, Eduardo Cunha, está sendo forçado a aderir a este recurso jurídico para abrandar futuras penas. Talvez, logo o vejamos trair seus apaniguados. É possível, no entanto, que estes apaniguados se adiantem. E, antes disto, traiam Eduardo, se a perda do mandato dele chegar a ser votada no Congresso Nacional. 
 
Remédio contra náuseas torna-se assim indispensável ter à mão. 
 

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