Raros são os paulistas que sabem que, no início dos anos de 1900, uma capital do Norte do país, Belém, ficou conhecida como a “Paris nos Trópicos”. A cidade dispunha, então, de teatro e palácios imponentes, lindas praças, bulevares, sistema de transporte coletivo moderno, calçamento emborrachado em área nobres etc. Aquela foi a época que se estendeu ao longo de cerca de 60 anos, desde os meados de 1800, a da obtenção de riqueza pela Amazônia, através da exportação de sua borracha.
Foi, também, a época da carreira política de Antônio Lemos, o maranhense que acumulou grande poder dentro do Pará, sem poder governar o Estado, impedido por sua Constituição, por não ser paraense. Isto o obrigou a exercer seu poder pleno de modo indireto por meio de um requintado aliado – Augusto Montenegro – a quem colocou no governo do Pará. Restou-lhe, contudo, Belém, para governar diretamente, e, lá Lemos iria demonstrar seus dotes de administrador público. Nesta sua cidade-vitrine, Lemos obteve uma projeção que terminou alcançando âmbito nacional.
O impedimento legal imposto a Lemos, em conflito com as reais possibilidades de mando político conquistado por ele já era suficiente para introduzi-lo no elenco dos grandes personagens das narrativas políticas brasileiras. Esta sua natureza dramática atingiria seu ápice no final chocante da carreira dele, em agosto de 1912. Quando, com quase 70 anos de idade, Lemos foi exibido, de pijama, como um triste troféu conquistado por seus inimigos, após terem-no enxovalhado desrespeitosa e destrutivamente através de uma campanha sustentada com furor pela maioria dos jornais de Belém. Lemos foi empurrado, cuspido, e apalpado de modo infame, nas ruas, onde foram se concentrar centenas de populares transtornados pelo ódio destilado naquela campanha. Por fim, expulso da cidade que embelezara, Lemos morreria, um ano depois, no Rio de Janeiro, onde foi viver isolado.
Esta natureza dramática de Lemos, contudo, já estava prenunciada em fatos ocorridos muito antes, só agora conhecidos, quando os pesquisadores do passado da Amazônia tiveram acesso à edição do dia 17 de dezembro de 1898, de “O Pará”, jornal pertencente ao Partido Republicano, que Lemos chegou a comandar.
Aquela edição comemorou os 55 anos de idade dele. Lemos iniciava, àquela altura, sua fulgurante trajetória como administrador de Belém. Na biografia, ainda inconclusa, publicada pelo “O Pará” surgiram informações sobre a infância e a adolescência de Lemos, até então não disponíveis na bibliografia existente sobre ele. Sabe-se, agora que Lemos foi filho de um membro do diretório do Partido Liberal, do Maranhão, de quem herdou o nome completo: Antônio José de Lemos. Aos 5 anos de idade, ele se tornou órfão. Depois disto, ocorreu a preparação de Lemos para o segundo grande ato dramático de sua narrativa biográfica -, o da participação numa guerra, ainda na juventude.
Este ato foi introduzido num trecho do texto de “O Pará” por uma referência aos seus “estudos preparatórios na capital do seu nascimento”. Estudos que o encaminharam para a incorporação nas tropas da Marinha de Guerra. Aos 17 anos, Lemos abandonou o Maranhão, para assentar “praça na Marinha, como escrevente da Armada, com destino à aspirante de oficial de Fazenda”, diz “O Pará”. Sua formação prática – acrescenta o jornal – iria ocorrer “no Quartel General da Contadoria Geral da Marinha, no Rio de Janeiro”. Quando completou 22 anos de idade, Lemos já tinha alcançado o status de Herói Nacional condecorado. Havia participado de um dos episódios iniciais da guerra travada pelo Brasil contra o Paraguai.