Antes mesmo que o mundo começasse a ganhar cores com os novos aparelhos de TV, um composto químico criado em 1943 pelo cientista suíço Albert Hofmann fazia a cabeça de jovens dispostos a visitar o arco-íris a bordo de gaivotas gigantes. Os minutos que duravam a perigosa loucura prometida pelo LSD era tempo suficiente para se atravessar o portal que levava ao mundo dos lindos sonhos delirantes e algo que não aconteceu em nenhuma outra expressão artística acontecia com a música a partir do lançamento de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles: um gênero nascia e crescia para viver por quase dez anos se alimentando da mais pura alucinação.
O Brasil recebeu a psicodelia à sua maneira. Guitarras de um lado, banda de pífanos de outro. Arranjo sinfônico, viola caipira, longos solos de teclado, batuques de terreiro. Valia tudo na linguagem sem limite apropriada por Gil, Caetano, Tom Zé, Gal Costa, Nara Leão e Os Mutantes, sob o comando estético do maestro Rogério Duprat. A psicodelia aqui teria o nome também de Tropicália a partir do lançamento do álbum coletivo com esse título, em 1968. Uma espécie de refúgio em um mundo vigiado pelos militares na porta da frente e pela patrulha da esquerda na saída dos fundos.
O jornalista, pesquisador e colecionador de LPs, Bento Araújo, olho sempre vivo nos porões do rock brasileiro, acaba de finalizar o livro Lindo Sonho Delirante – 100 Discos Psicodélicos do Brasil. Sua obra começa em 1968, com a análise do inaugural Tropicália ou Panis Et Circensis, e termina em 1975, quando chega às lojas Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol, produção de Lula Côrtes e Zé Ramalho.
Cada álbum ganha uma página para as considerações do autor, que aparecem também traduzidas para o inglês. Há desde discos que o tempo tornaria obrigatórios, como Gilberto Gil (de 1968, conhecido como o “álbum do fardão”, com Procissão e Domingo no Parque); Gal Costa (de 1969, seu primeiro solo, de Meu Nome é Gal e Cinema Olympia); A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, dos Mutantes; e Carlos, Erasmo, que Erasmo lançou em 1971; a álbuns, sobretudo fora da Tropicália, que seguiriam nas sobras, como O Burro Cor de Rosa Ouriço (de Serguei, 1970, o primeiro homem a se autointitular psicodélico); O Despertar dos Mágicos, de Loyce e Os Gnomos, de 1969; Por Favor, Sucesso, que a banda Liverpool fez também em 1969; The Galaxies, da banda do mesmo nome, lançado em 1968; e Lindo Sonho Delirante, do cantor Fábio, parceiro de Tim Maia, que entraria na psicodelia com esse álbum de 1968.
Ao menos um personagem caminhou pelos campos coloridos da psicodelia de cara limpa. Ronnie Von, que não era nem do time de Roberto Carlos e sua Jovem Guarda nem da turma da MPB de Elis Regina, fez nos anos 1970 três álbuns tropicalistas ignorados à época, mas, hoje, considerados dos mais importantes. Ronnie Von (1968), A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nunca Mais (1969) e Máquina Voadora (1970) tiveram um peso no redescobrimento da cena. “Ronnie foi um dos artistas mais importantes para o resgate do gênero, no final dos anos 1990. Os garotos ficaram loucos por esses discos”, conta Araújo. Outro nome que o pesquisador aponta como fundamental para que a psicodelia brasileira não fosse desintegrada no espaço é o do produtor e comerciante Luiz Calanca, dono do selo e da loja de discos Baratos Afins, na Galeria do Rock de São Paulo. “Foi ele quem reeditou, nos anos 1980, discos dos Mutantes, Arnaldo Baptista, O Som Nosso de Cada Dia. Ele é o cara.”
Colocado para financiamento coletivo no site Catarsis, o livro de Bento atingiu a meta (no valor de R$ 45 mil) em dez dias. Ao final, foram arrecadados R$ 84 mil, o que vai possibilitar dobrar sua tiragem inicial (que será de duas mil cópias). Os interessados podem procurar a pré-venda no site da revista editava pelo jornalista: poeirazine.com.br.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.