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A saga dos Soldados de Deus está na net

A História da Cultura do Brasil tem o privilégio de contar com um valioso texto de João Lúcio de Azevedo, porque, em 1873, com 18 anos de idade, ele saiu de sua cidade, Sintra, para morar na Amazônia, na época, uma região enriquecida com a exportação de borracha. Em Belém, Lúcio foi admitido como balconista numa grande livraria. Envolveu-se afetivamente com a filha do seu patrão e os dois se casaram. Terminou dono da livraria. E, estudioso, pôde aprender várias línguas. Quando se mudou para Paris, era um homem rico e culto. Mas, do Pará, Lúcio levou consigo imenso fascínio pela ordem religiosa que começou a construir o primeiro conjunto monumental arquitetônico de Belém, nos anos de 1600 – a dos jesuítas. Ele  demonstrou sua gratidão ao Estado que o acolhera produzindo, em 1901, uma obra-prima da Historiografia Nacional, sobre esta ordem, o livro “Os jesuítas no Grão-Pará”. 
 
Nele, Lúcio conta como os membros da Companhia de Jesus eram movidos pela disposição guerreira herdada do fundador da ordem – Inácio de Loyola -, um ex-militar espanhol, oriundo de uma comunidade basca, da Espanha, que chegara a ser ferido gravemente no cerco de Pamplona, em 1521, aos 30 anos de idade. E cuja imagem, postada junto com este texto, foi esculpida por outro espanhol, Juan Martínez Montañés, nascido em Sevilha, doze anos depois da morte de Loyola, em 1556. 
 
A disposição de “Soldados de Deus” que impregnou o espírito jesuítico ficou expressa até na denominação que Inácio escolheu para a ordem deles, na verdade apropriada para um agrupamento militar: “Companhia de Jesus”. Os jesuítas – diz Lúcio – , não se abalavam diante de qualquer risco como o dos rigores de climas inóspitos, o das longas travessias do oceano, em embarcações frágeis, o de caminhadas solitárias por extensas terras desconhecidas,  indiferentes à ferocidade dos animais bravios e da sanha das tribos indígenas. Foi com tal disposição que eles quiseram implantar um império religioso na América do Sul.  A partir do Paraguai, ele se estenderia até o Norte do Brasil, através de um lago interior do Rio da Prata, para o qual, segundo os cartógrafos da época, se dirigiam as águas do Rio Amazonas.  
 
Na região amazônica – garante Lúcio – os jesuítas vivam sem nenhum luxo. Mas, para realizar aquele projeto, tinham de enriquecer sua ordem. Os colonos portugueses que queriam explorar a maior riqueza local – a mão-de-obra indígena -, logo se opuseram à instalação deles na região, convencidos de que eles iriam se beneficiar com o monopólio das aldeias. Só recuaram  diante da imposição do rei de Portugal, dom João IV, influenciado por Antônio Vieira, jesuíta e confessor dele. Já no Gram-Pará, a ordem gozou das regalias propiciadas pela  influência de Vieira sobre o rei. Passou a controlar muitas aldeias, adquiriu terras, para criação de gado e lavoura, além de imóveis, para a produção de diversos tipos de mercadorias comercializáveis. Com isto, criaram inimizade com os colonos, com o bispo do Pará – dom Miguel de Bulhões –, com  autoridades de Lisboa, e, até, com o próprio Papa. Pois a Igreja proibia a aquisição de “bens de raiz”, como os da ordem.
 
A virada do século, no entanto, foi desfavorável para os jesuítas. O “Século das Luzes” europeu, trouxe a ascensão na Europa de uma classe social, a burguesia, cujos membros – sem título de nobreza e sem submissão à Igreja Católica – se firmavam por meio do lucro propiciado pela compra da força de trabalho de operários, cujo rendimento precisavam ampliar com o incentivo ao desenvolvimentos das Ciências, portanto, com enfrentamento do pensamento religioso mais conservador, o Escolástico, sustentado pela Companhia de Jesus. A ordem perdeu seu antigo poder de influência. E ficou exposta à ira que tinha provocado, por anos a fio. Foi expulsa, sucessivamente, do Pará, de Portugal, da França. E chegou a ser extinta pelo Papa Clemente XIV. Um de seus membros – o padre Gabriel Malagrida – foi queimado na fogueira da Inquisição, em Lisboa. 
 
A administração portuguesa pôde, então, realizar um levantamento das propriedades dos jesuítas, no Gram-Pará. E descobriu que eles tinham a serviço deles 50 mil índios, dispunham de fazendas, na Ilha do Marajó, de 20 quilômetros de largura, por 20 quilômetros de fundos, e, de mais de 130 mil cabeças de gado. O governo da colônia distribuiu este patrimônio por 22 oficiais de sua confiança, conhecidos como “os contemplados”. Hoje, qualquer pessoa pode ler o texto original e integral de João Lúcio de Azevedo. Ele se encontra disponível no seguinte endereço da net:
 
 

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