Um bom festival não se faz apenas com atrações musicais de peso. O primordial, em muitos casos, é destampar bem os ouvidos, conhecer novos artistas e deixar o preconceito de lado para entender propostas que vão muito além do quesito musical. O Festival Internacional da Sanfona, realizado em Juazeiro, na Bahia, que começou na quarta-feira, 13, e terminou no sábado, 16, conseguiu reunir todos esses atributos. De forma leve, os quatro dias da quarta edição do evento promoveram a sanfona à protagonista da música popular brasileira e apresentaram ao público um pouco da cultura regional da terra de João Gilberto. Objeto tradicional de diversas festas culturais do Brasil e do mundo, o instrumento brilhou e mostrou sua pluralidade nas mãos de gaúchos, nordestinos, norte-americanos e até argentinos.
A apresentação derradeira foi de Fagner. Ele subiu ao palco no sábado, 16, e, sem surpresas, montou um repertório recheado de hits. De Deslizes, passando por Noturno (Coração Alado) e Canteiros. As canções do cearense foram cantadas em coro pelo gigantesco público que tomou conta da orla do Rio São Francisco. O show de Fagner, entretanto, destoou das outras performances que tiveram a sanfona como protagonista, ainda que, no final da apresentação, Targino Gondim, curador e diretor artístico do projeto, tenha subido ao palco com o cantor para trazer a sanfona de volta ao estrelato.
Houve, todavia, outros destaques. Em 2016, o festival trouxe a atração internacional Murl Sanders, dos Estados Unidos. Simpático e arriscando-se no português, o gringo roubou a cena no Centro Cultural João Gilberto, na abertura do evento, na quinta, 14. Com a sanfona nas mãos, Sweet Home Chicago, clássico do blues, virou Sweet Home Juazeiro. Uma brincadeira que acertou em cheio e agradou. Ob-La-Di, Ob-La-Da, dos Beatles, ganhou uma versão inusitada na sanfona. Sanders é um músico virtuoso, que sabe mostrar sua técnica no momento certo. Preciso, casa bem os acordes do seu instrumento de ofício com o groove do baixo e os riffs da guitarra, proporcionando à plateia uma sonoridade agradável.
Outro destaque do festival foi a homenagem ao mestre Dominguinhos, na sexta, 15. Ex-integrante da banda do cantor e compositor, que morreu em 2013, Maestrinho se emocionou ao apresentar Em Minha Alma, música que compôs especialmente para ele. “Quero tocar uma canção para o meu mestre Dominguinhos. Ele que com toda a humildade do mundo me chamou para tocar ao seu lado. Tudo que existe de mais especial em minha alma está na melodia desta música. Vou homenageá-lo até o último dia da minha vida”, afirmou.
Em meio a tantos nomes de peso, ainda houve espaço para o tango argentino. O duo Vanina Tagini e Gabriel Merlino mostraram algumas canções regionais e encantaram pela elegância, característica marcante do estilo. Gabriel Merlino vem de uma outra escola da sanfona. Apesar da diferença sonora, soube prender a atenção do público com um vigor sonoro invejável.
Dono de um humor refinado, Oswaldinho do Acordeon brincou o tempo todo com o público. Um dos maiores nomes nacionais da sanfona “revelou” seu trauma por Asa Branca, clássico de Luiz Gonzaga. “Tenho um certo medo de Asa Branca porque sou filho de sanfoneiro. Na infância, todos perguntavam para o meu pai se eu sabia tocar. Ele dizia que sim e me chamava para dedilhar Asa Branca para os amigos e a família toda. Fiquei traumatizado”.
Quem também se apresentou no festival foi o gaúcho Renato Borghetti. Ao lado do violeiro Daniel Sá, o músico deu um show de competência. Muito técnico, soube com muita precisão prender a atenção do público. “Ouvi vocês cantando há poucos minutos. Eu e meu parceiro (Daniel) não cantamos, mas queremos ouvir a voz de vocês nessa próxima música. Esse cara compôs o hino do meu time, o Grêmio, de Porto Alegre”, disse antes de tocar Felicidade, de Lupicínio Rodrigues.
Na semana em que completou 138 anos de vida, a pequena cidade de Juazeiro não só se transformou na capital internacional da sanfona como também expandiu os horizontes de quem via o instrumento como mero coadjuvante ou item corriqueiro de festas regionais do Sul e Nordeste do País. A sanfona é gigante. Uma protagonista multifacetada capaz de mudar vidas, promover sonhos e fazer até a pessoa de fole mais endurecido não resistir ao seu encanto.
*Repórter viajou a convite da produção
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.