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A sociedade não pode ficar a reboque da polarização, diz Pastore

Após Sergio Moro desistir de disputar a Presidência da República, o economista Affonso Celso Pastore afirma que o documento com propostas econômicas que havia elaborado para a campanha do ex-ministro da Justiça está a disposição de quem quiser discutir ideias.

Em entrevista ao <b>Estadão</b>, Pastore comenta o documento "Desenvolvimento inclusivo, sustentável e ético" e defende uma maior mobilização da sociedade para influenciar os políticos. "Ou a sociedade civil se mobiliza e começa uma discussão ou ela vai ficar a reboque da polarização", diz. "Hoje você tem, infelizmente, um Orçamento do governo que foi capturado pelo Centrão e está todo mundo olhando isso e assobiando", critica. Confira trechos da entrevista, por tópicos.

<b>Programa</b>

Quando o Moro resolveu entrar na disputa, ele nos perguntou se éramos capazes de produzir, com independência, um documento com diagnósticos e proposições. Conheço o Moro, admiro ele. Coloquei como condição que iríamos indicar sugestões que fogem dos extremos, que são extremos populistas, tanto o Lula como o Bolsonaro. A ideia era publicarmos esse documento de qualquer modo, quer o Moro o usasse ou não. Se alguém quiser aproveitar a ideia, aproveita. Não tomamos a iniciativa de procurar ninguém. O objetivo não é a eleição. É discutir proposições para o País.

<b>Sociedade civil</b>

Ou a sociedade civil se mobiliza e começa uma discussão ou ela vai ficar a reboque da polarização. A gente podia ter tomado duas atitudes. A primeira seria apostar no cavalo vencedor. A segunda é a sociedade civil descobrir que, nesses dois extremos, o País está empacado. Se a sociedade quiser viver num país civilizado, que melhore a distribuição de renda e cresça, ela tem de influenciar os políticos. Hoje você tem, infelizmente, um Orçamento do governo que foi capturado pelo Centrão e está todo mundo olhando isso e assobiando. Resolvemos não assobiar. Quero colocar na cabeça de um empresário que se senta com essa gente (políticos) um pouco de ideia que não seja a da defesa do interesse dele, mas a da defesa do interesse do País.

<b>Persio x Mercadante</b>

O Aloizio Mercadante foi colega de faculdade meu. Se ele pensa diferente de mim, não é razão para não conversarmos. Se ele pensa diferente do Persio, não é razão para não conversarem. O fato de o Persio conversar com o Mercadante não significa que está aderindo ao Lula. Conheço o Mercadante bem. É difícil ter alguma coisa em comum entre o Persio e ele.

<b>Diálogo entre as campanhas</b>

Vejo uma diferença tão grande de objetivos que acho extremamente difícil uma convergência (do programa de Pastore com Lula ou Bolsonaro). Há diferenças em relação aos objetivos e aos diagnósticos. Se um médico faz um diagnóstico diferente do outro, vai dar um tratamento diferente. É difícil ter diálogo nos extremos. Isso que estamos chamando de terceira via é o pessoal que está fora dos extremos. Aí, tem diálogo.

<b>Lula e Alckmin</b>

Eu não conheço o Alckmin (ex-governador de São Paulo e vice na chapa de Lula). Ele esteve uma vez no CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas), fez uma palestra muito geral. Quando o pessoal apertou ele, saiu sem se comprometer com nada. Não sei o que ele pensa.

<b>Sem convergências</b>

Meu programa não tem nada a ver com a proposta (do ministro Guedes). A reforma tributária dele era a CPMF. O negócio dele era utilizar privatização para matar a dívida pública. A abertura da economia, nunca pensou. Investir em educação e distribuição de renda não é o que ele pensou.

<b>Privatizações</b>

Estamos propondo porque a empresa privada é mais eficiente que a pública. O que a gente quer quando propõe a privatização da Petrobras é que ela, administrada pelo setor privado, fique livre da ingerência do governo.

<b>Futuro da indústria</b>

O mundo estava caminhando na direção da globalização, mas a pandemia começou a criar entupimentos na cadeia global. Faltou semicondutor, parou a produção de automóveis e subiu o preço. A discussão de hoje na Europa é, ao invés de "acabou com a globalização", se diz "vou ter dois, três, quatro (países) fornecedores". Porém, ninguém está falando em fechar as economias e só produzir domesticamente. No documento, abordei esse tema. Eu digo: "O Brasil está fechado". Tem imposto sobre aço. Sabe quanto tem de imposto sobre automóveis? É um absurdo. O valor adicionado de automóveis dobra, e isso vai para o lucro da multinacional. É um nível de proteção que país nenhum tem.

<b>Reforma Tributária</b>

Tem de ser debatida. No Imposto sobre Bens e Serviços (previsto na reforma), há um conflito entre indústria e setor de serviços. Isso tem de ser arbitrado no Congresso. O sujeito do setor de serviço diz: "você vai aumentar o imposto para mim". Mas quem paga o imposto não é o dono da loja, é a pessoa que compra. Sabemos que a indústria tem distorções. O ICMS é pago na origem, onde o bem é produzido, e não no destino. Tem de ser cobrado no destino, temos de ter rápida recuperação dos créditos. As pessoas de renda baixa consomem mais produtos que serviços. Suponha que se fixe uma alíquota, que taxe menos os bens e mais os serviços com o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), como é no mundo inteiro. Não é mais o pobre ficar pagando uniformemente esse imposto. O deputado e o senador, que decidirão, têm de conhecer todos os argumentos para fazer uma decisão bem informada. É uma discussão que precisa ser feita, mas não se vê hoje. A discussão é a seguinte: candidato A diz "eu preciso do voto do setor de serviços", então, eu não posso mais taxá-lo.

<b>Desonerações de Guedes</b>

O governo tem direito de reduzir o que quiser. Só que tem de olhar para a restrição orçamentária. E essa restrição não é só de um ano. A inflação gerou um ganho anormal de receitas. Nesse momento, a arrecadação tributária cresce transitoriamente. Se o governo usar essa arrecadação transitória para gerar uma despesa permanente, aparece o déficit ali na frente. Mas, se o governo renuncia ao imposto agora e tem o corte da despesa do outro lado, não tem problema.

<b>Pressa</b>

Daqui a 20 anos, se eu não morrer, terei 103 anos. Estou interessado nos próximos anos. Minha taxa de desconto do futuro é muito alta. O sujeito que desconta o futuro a uma taxa alta é impaciente. A gente tem pressa e frustração de ver a velocidade na qual as coisas acontecem. Não tenho dúvida de que o Brasil vai encontrar o caminho. Mas não será fácil.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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